O escritor Mário Lúcio acredita que as mulheres podem salvar o continente africano quando chegarem ao poder, porque a sua sensibilidade as impede de matar os filhos dos outros, ao contrário dos ditadores africanos, tema do seu próximo livro.
“Eu não vejo uma mulher mandar matar os filhos dos outros, assim em catadupa”, afirmou, prosseguindo: “Estou convicto que as mulheres podem salvar o continente africano e o mundo, mas não mulheres que queiram governar como ditadores, mas que realmente tenham acesso e apoio de poder realmente governar com outra sensibilidade, porque não estou a ver outra saída. Hoje não estou a ver outra saída”.
Em entrevista à agência Lusa, o autor de “O diabo foi meu padeiro”, disse que a obra deverá ser publicada no próximo ano, estando na fase de revisão e a caminho das 60 leituras que faz antes de dar um livro por concluído.
Desta vez, o tema são os presidentes africanos, que classifica de “figuras literárias extraordinárias”, dando o exemplo de Kumba Yalá, antigo Presidente da Guiné-Bissau, que morreu em 2014.
O leitor nunca irá encontrar o nome dos presidentes no livro, sendo apenas referidos como “o Presidente” e tendo todos em comum serem uma “fonte do atraso no desenvolvimento de África”.
“Nós já tivemos intervenções externas que cercearam o desenvolvimento da África, como a escravatura, como a colonização. Depois de nos libertarmos desses processos, vieram os ditadores e eles são claramente a fonte do desrespeito pelos direitos humanos, a fonte dos atrasos, da pilhagem, do crime. E está ali tudo documentado”, disse.
A narrativa começa precisamente com Kumba Yalá, ainda que sem o nome e porque no livro são figuras de ficção, passando depois por vários presidentes africanos, como aquele que reúne a família numa ceia de Natal, durante a qual distribui lugares estratégicos.
“Milha filha, a partir de amanhã a parte dos transportes fica contigo; a partir da amanhã os aviões ficam contigo, minha primeira mulher; a partir da amanhã o banco central é contigo, meu filho bastardo; e o primogénito fica com o fundo soberano”, exemplifica.
O escritor cabo-verdiano escreve ainda sobre um outro presidente que achava que os belgas estavam em conluio com uma etnia para o derrubar e, para resolver o problema, compra 144 milhões de dólares em machins, catanas, punhais e enxadas que entrega a uma etnia para acabar com a outra”, resultando, em três meses, no maior genocídio da história da humanidade, com 800 mil pessoas mortas, numa referência ao que aconteceu no Ruanda, em 1994.
A obra conta ainda com uma personagem que se coroa imperador e gasta milhões de dólares em Mercedes para receber os convidados para a coroação, em África, numa altura em que o povo vivia com menos de um dólar por dia, no que se assemelha à figura do antigo presidente e imperador centro-africano Jean-Bedel Bokassa.
De presidente em presidente, a história flui até chegar ao único nome revelado, precisamente uma mulher: Ellen Johnson-Sirleaf, antiga Presidente da Libéria (2006–2018) e Prémio Nobel da Paz (2011).
A eleição desta mulher, que “conseguiu pegar um país devastado pelas guerras civis - a Libéria - e estabilizar o país”, é “uma mensagem de esperança”.
“Eu diria que as mulheres são mais sensíveis e provavelmente isso deve ter uma razão genética. Isto é, as mulheres ficam grávidas e os homens não e o livro até fala disso, porque há uma epidemia de prenhez e a própria presidente, que já estava com 72 anos, acaba por procriar”, contou.
No livro, a epidemia de prenhez atinge todas as mulheres do país e ninguém sabe o porquê e até alguns homens barrigudos vão ao médico. Estes homens barrigudos têm receio de que na origem da prenhez esteja uma lição: Saberem o que é a dor do parto.
“No dia em que [os homens] souberem o que é a dor do parto, nunca mais matarão o filho dos outros”, disse.
O autor recorda que, em África, como no seu país Cabo Verde, as mulheres é que são chefes de família: Educam, criam, trabalham e o filho está sempre ali ao pé.
“Eu não vejo uma mulher mandar matar os filhos dos outros, assim em catadupa”, afirmou, prosseguindo: “Estou convicto que as mulheres podem salvar o continente africano e o mundo, mas não mulheres que queiram governar como ditadores, mas que realmente tenham acesso e apoio de poder realmente governar com outra sensibilidade, porque não estou a ver outra saída. Hoje não estou a ver outra saída”.
A Semana com Lusa
Caro Mário Lúcio, Parece que Não Entendeste Bem...
Meu caro, essa ideia de que as mulheres governam melhor porque têm "sensibilidade" e "não matam os filhos dos outros" é uma romantização ingênua e uma fuga descarada da responsabilidad e dos homens na construção de um bom governo. Esta conversa de que "as mulheres vão salvar África" não passa de uma desculpa preguiçosa para não assumirmos o dever de corrigir a má gestão e a corrupção que assola o continente.E antes que comeces a falar em “genética” e gravidez como fatores mágicos de bom governo, vamos olhar para a realidade histórica:
Isabel dos Santos (Angola) – A bilionária mais famosa de África, que supostamente fez fortuna vendendo ovos na cabeça, mas que, na verdade, enriqueceu à custa da pilhagem dos recursos do país. Se a "sensibilidade feminina" dela fosse real, teria usado a fortuna para ajudar Angola, mas, pelo contrário, esbanjou e desviou milhões, deixando o povo na miséria.
Margaret Thatcher (Reino Unido) – Conhecida como a "Dama de Ferro", não hesitou em lançar guerras, esmagar greves e aprofundar desigualdades sociais no Reino Unido. Se isso é a tal "compaixão feminina", estamos mal.
Indira Gandhi (Índia) – Suspendeu a democracia, governou com mão de ferro e perseguiu opositores políticos. Uma das piores fases autoritárias da Índia foi sob o governo dela.
Catarina, a Grande (Rússia) – Consolidou o poder através de intrigas e assassinatos, liderando com tanto autoritarismo como qualquer outro czar.
E se quisermos falar de guerra e crueldade, recordemos as Amazónas do Daomé, uma tropa feminina que escravizou milhares de africanos e os vendeu aos europeus. Ser mulher não significa automaticamente governar melhor, nem ser menos brutal.
África não precisa dum governo exclusivamente feminino ou masculino. O que precisa é de governos honestos, gestores competentes e uma população ativa que cobre resultados. Passar a responsabilidad e para as mulheres, como se elas fossem messias políticas, é apenas mais uma forma dos homens lavarem as mãos da sua obrigação de liderar com justiça e competência.
Portanto, caro Mário Lúcio, antes de escrever um livro cheio de ilusões sobre a “salvação feminina de África”, talvez fosse melhor escrever sobre a necessidade dum sistema político funcional, com líderes que prestam contas, independentemen te do género.
E, por favor, menos poesia e mais realidade.
Terms & Conditions
Report
My comments