quinta-feira, 14 novembro 2024

E ECONOMIA

REPORTAGEM: Timorenses têm vergonha de falar português e desafio começa em casa

Estrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativa
 

Vivêncio Freitas esconde o sorriso com a mão quando se pede para dizer as palavras que já aprendeu em português na escola básica de Bucoli, no distrito timorense de Baucau. Em casa só fala as línguas indonésia e tétum.

Vivêncio tem 11 anos e partilha a sala de aula com mais 36 alunos. A professora Genoveva Ximenes dos Santos diz que ensina o português que aprendeu em 2004, em Baucau e em Díli, a capital timorense, graças à cooperação portuguesa.

“Só na escola e na sala de aula é que eles falam um pouco de português. Eles até gostam, mas é muito diferente do tétum”, língua oficial timorense, a par do português.

No entanto, em casa, a língua que predomina ainda é o bahasa, resultado de cerca de três décadas de ocupação indonésia.

“Há alguns que gostam de aprender, mas é difícil porque em casa falam indonésio, a língua que aprenderam com os pais, e não falam português”, explica a professora.

Genoveva admite que ela própria só fala português enquanto está a dar as aulas, mas ainda hoje agradece e recorda com carinho tudo o que aprendeu da língua portuguesa com as professoras Ana e Sofia.

Igualmente envergonhada, mas menos tímida, Clarísia Boavida consegue expressar que a sua disciplina favorita é Matemática. Quanto ao português, diz: “gosto de falar”, mas “só na escola”.

Já na hora do recreio, Isidro Barreto Ximenes desvia a atenção do jogo de futebol que decorre no campo improvisado e de uma baliza só. Cumprimenta com um grande sorriso, mas em tétum.

À pergunta se fala português, o aluno de 13 anos responde com um encolher de ombros, mas logo Romária Silva de Sá serve de tradutora e explica que não.

Mas também com Romária a conversa em português dura pouco. “Eu falo, sim”, diz, mas já a correr de volta à sala depois de ter despejado o caixote do lixo.

A escola tem cerca de 400 alunos até ao 9.º ano e, no espaço, contíguo à sede do suco de Bucoli, no distrito de Baucau, a cerca de 120 quilómetro de Díli, na zona leste do país, veem-se edifícios degradados e à espera de obras, mas também outro já novo, ainda por inaugurar.

Teresa Reis, a chefe do suco, que integra seis aldeias, onde vivem cerca de 3.300 pessoas, diz à Lusa que o ensino do português em Timor-Leste “é dificílimo”.

“As outras línguas não têm verbos como o português, o bahasa principalmente nem tem verbos. Então todo o mundo, desde as crianças até aos velhos, falam bahasa”, conta, admitindo que, mesmo ela, que viveu 22 anos em Portugal, até à restauração da independência de Timor-Leste, em 2002, não fala o português corretamente.

Para a responsável do suco, um dos principais problemas é ter professores que também eles não falam a língua portuguesa no seu dia-a-dia e recordou as palavras do falecido bispo de Baucau Basílio do Nascimento.

““Português só ensinam os portugueses, inglês só ensinam os ingleses. Quem fala o tétum vai ensinar o português? Não pode”, defende.

O padre Adérito Costa, diretor do agrupamento de escolas de Santo António, em Baucau, considera que o problema está nas bases.

“Os pais em casa não falam português e é bater na mesma tecla”, diz, lamentando que também a maioria dos professores não fale a língua fora da escola e que, por isso, precisariam de uma formação contínua.

O diretor diz que há “uma barreira forte” à língua portuguesa e refere as disparidades entre as escolas públicas comuns e projetos como os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar de Timor-Leste (CAFE), uma iniciativa dos governos português e timorense, que levou à construção de um destes estabelecimentos de ensino em cada um dos 13 distritos timorenses e na região administrativa especial de Oecusse.

“As crianças que frequentam as escolas CAFE estão mais avançadas, as outras estão a ir devagarinho”, diz.

Em entrevista à Lusa, o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, admite que o ensino do português em Timor-Leste “não é fácil”, um problema que justifica também com a história.

“O domínio do português foi interrompido por 24 anos e era proibido, e quem sabia um bocado de português era morto para não criar uma sociedade com tendências”, recorda, referindo-se à ocupação Indonésia.

Mas o chefe do Governo diz que há muitos jovens a quererem aprender a língua.

Helena, professora portuguesa que chegou a Timor-Leste há quatro meses e ensina a língua no âmbito do projeto Formar, Orientar, Certificar e Otimizar (FOCO), financiado pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua juntamente com a Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL), concorda que há muita procura por parte dos jovens e pouca oferta, mas diz que “uma das grandes questões é a vergonha”.

“Eu tenho tentado desmistificar isso, mas a vergonha é uma palavra que eu já ouvi em muitos locais, não apenas na universidade, mas nas lojas. Quando se diz ‘pode falar português’, eles dizem ‘tenho vergonha’”, refere.

O timorense Crisólogo Baptista trabalha no centro de língua portuguesa do FOCO da UNTL desde 2019 e já formou perto de 200 alunos. Diz que os timorenses “não sabem falar português por falta de prática”, mas concorda que “muitos têm vergonha”.

A mesma vergonha que mostraram os alunos da escola básica de Bucoli, mas que foi brevemente ultrapassada à ordem da professora para se levantarem e cumprimentarem em uníssono.

“Boa tarde a todos. Agradecemos”, gritaram, com um sorriso no rosto e num português perfeito.

 A Semana com Lusa 

120 Characters left


Colunistas

Opiniões e Feedback

David Dias
1 day 15 hours

Todos querem ser escritores. Todos, todos, todos.

António
3 days 14 hours

Descilpem, mas os antigos reformados não vivem assim, pois pensões não foram atualizadas.

António
11 days 13 hours

Quando as eleições terminarem fiscalize essas construções em russ estreitas e que são autenticas autenticas bombas

Pub-reportagem

publireport

Rua Vila do Maio, Palmarejo Praia
Email: asemana.cv@gmail.com
asemanacv.comercial@gmail.com
Telefones: +238 3533944 / 9727634/ 993 28 23
Contacte - nos