Vivêncio Freitas esconde o sorriso com a mão quando se pede para dizer as palavras que já aprendeu em português na escola básica de Bucoli, no distrito timorense de Baucau. Em casa só fala as línguas indonésia e tétum.
Vivêncio tem 11 anos e partilha a sala de aula com mais 36 alunos. A professora Genoveva Ximenes dos Santos diz que ensina o português que aprendeu em 2004, em Baucau e em Díli, a capital timorense, graças à cooperação portuguesa.
“Só na escola e na sala de aula é que eles falam um pouco de português. Eles até gostam, mas é muito diferente do tétum”, língua oficial timorense, a par do português.
No entanto, em casa, a língua que predomina ainda é o bahasa, resultado de cerca de três décadas de ocupação indonésia.
“Há alguns que gostam de aprender, mas é difícil porque em casa falam indonésio, a língua que aprenderam com os pais, e não falam português”, explica a professora.
Genoveva admite que ela própria só fala português enquanto está a dar as aulas, mas ainda hoje agradece e recorda com carinho tudo o que aprendeu da língua portuguesa com as professoras Ana e Sofia.
Igualmente envergonhada, mas menos tímida, Clarísia Boavida consegue expressar que a sua disciplina favorita é Matemática. Quanto ao português, diz: “gosto de falar”, mas “só na escola”.
Já na hora do recreio, Isidro Barreto Ximenes desvia a atenção do jogo de futebol que decorre no campo improvisado e de uma baliza só. Cumprimenta com um grande sorriso, mas em tétum.
À pergunta se fala português, o aluno de 13 anos responde com um encolher de ombros, mas logo Romária Silva de Sá serve de tradutora e explica que não.
Mas também com Romária a conversa em português dura pouco. “Eu falo, sim”, diz, mas já a correr de volta à sala depois de ter despejado o caixote do lixo.
A escola tem cerca de 400 alunos até ao 9.º ano e, no espaço, contíguo à sede do suco de Bucoli, no distrito de Baucau, a cerca de 120 quilómetro de Díli, na zona leste do país, veem-se edifícios degradados e à espera de obras, mas também outro já novo, ainda por inaugurar.
Teresa Reis, a chefe do suco, que integra seis aldeias, onde vivem cerca de 3.300 pessoas, diz à Lusa que o ensino do português em Timor-Leste “é dificílimo”.
“As outras línguas não têm verbos como o português, o bahasa principalmente nem tem verbos. Então todo o mundo, desde as crianças até aos velhos, falam bahasa”, conta, admitindo que, mesmo ela, que viveu 22 anos em Portugal, até à restauração da independência de Timor-Leste, em 2002, não fala o português corretamente.
Para a responsável do suco, um dos principais problemas é ter professores que também eles não falam a língua portuguesa no seu dia-a-dia e recordou as palavras do falecido bispo de Baucau Basílio do Nascimento.
““Português só ensinam os portugueses, inglês só ensinam os ingleses. Quem fala o tétum vai ensinar o português? Não pode”, defende.
O padre Adérito Costa, diretor do agrupamento de escolas de Santo António, em Baucau, considera que o problema está nas bases.
“Os pais em casa não falam português e é bater na mesma tecla”, diz, lamentando que também a maioria dos professores não fale a língua fora da escola e que, por isso, precisariam de uma formação contínua.
O diretor diz que há “uma barreira forte” à língua portuguesa e refere as disparidades entre as escolas públicas comuns e projetos como os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar de Timor-Leste (CAFE), uma iniciativa dos governos português e timorense, que levou à construção de um destes estabelecimentos de ensino em cada um dos 13 distritos timorenses e na região administrativa especial de Oecusse.
“As crianças que frequentam as escolas CAFE estão mais avançadas, as outras estão a ir devagarinho”, diz.
Em entrevista à Lusa, o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, admite que o ensino do português em Timor-Leste “não é fácil”, um problema que justifica também com a história.
“O domínio do português foi interrompido por 24 anos e era proibido, e quem sabia um bocado de português era morto para não criar uma sociedade com tendências”, recorda, referindo-se à ocupação Indonésia.
Mas o chefe do Governo diz que há muitos jovens a quererem aprender a língua.
Helena, professora portuguesa que chegou a Timor-Leste há quatro meses e ensina a língua no âmbito do projeto Formar, Orientar, Certificar e Otimizar (FOCO), financiado pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua juntamente com a Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL), concorda que há muita procura por parte dos jovens e pouca oferta, mas diz que “uma das grandes questões é a vergonha”.
“Eu tenho tentado desmistificar isso, mas a vergonha é uma palavra que eu já ouvi em muitos locais, não apenas na universidade, mas nas lojas. Quando se diz ‘pode falar português’, eles dizem ‘tenho vergonha’”, refere.
O timorense Crisólogo Baptista trabalha no centro de língua portuguesa do FOCO da UNTL desde 2019 e já formou perto de 200 alunos. Diz que os timorenses “não sabem falar português por falta de prática”, mas concorda que “muitos têm vergonha”.
A mesma vergonha que mostraram os alunos da escola básica de Bucoli, mas que foi brevemente ultrapassada à ordem da professora para se levantarem e cumprimentarem em uníssono.
“Boa tarde a todos. Agradecemos”, gritaram, com um sorriso no rosto e num português perfeito.
A Semana com Lusa
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