Há os costumes. Muita gente se desconfortará se der um passo fora deles. Até pouco tempo, toda cidade que se prezasse abrigava uma chefatura de polícia especializada: Delegacia de Costumes. A margem de manobra era menor, e o delegado, homem, era um vigilante moral ativo.
Por Léo Rosa de Andrade *
Mesmo nos dias atuais, as sentenças pomposas de juize\as pudoroso\as costumam apelar aos bons costumes. Como o mundo é vário e os costumes são muitos, nunca entendi como, dentre eles, se distingue os que seriam os bons dos que seriam os maus. E quem os dita?
Se catadas concordâncias ideológicas ou utilitárias, não se afinarão consensos: nunca universais; talvez alguns locais. Então, quem pode – político\a, religioso\a, professor\a, mãe, pai, esposo\a, chefe\as – impõe, ainda que persuasivamente, os costumes que lhe são convenientes.
Dizendo de modo distinto: como não há uma razão teórica (ou moral) sustentável para defender o que seriam os bons costumes, a questão é resolvida nos limites da razão prática: fica estabelecido que os bons costumes são os meus, e os maus são os do\as outro\as. E estamos combinado\as.
Estaria tudo bem não fosse o fato de que ninguém combina coisa nenhuma e pouco\as percebem que os costumes podem ser uma armadilha de dominação. Cumprimo-los sem pedir conta de suas origens, de seu significado ou de sua conveniência. A quem serve o costume que preservo?
Quem já refletiu sobre os modos de pensar e agir do seu grupo social, ou mesmo os seus próprios? Se indagadas a respeito, as pessoas em geral acabarão dando a resposta mais alienada possível: “Ora, porque sim.” Vamos a um assunto controvertido?: sexo, ou os costumes sexuais.
Suponho concordância sobre inexistir coisa mais pensada, falada e buscada do que sexo. É tema que não se aquieta: não há quem não o goste e não o queira. Assim, cabe dizer: além de pensar, falar e buscar, a humanidade gostaria de praticar muito sexo. Muito mais do que se pratica.
Os momentos de relação sexual, em situações formais ou não, são dos poucos instantes da vida em que logramos alcançar escape da vigilância até de nós mesmo\as. Soltamo-nos, damo-nos, requeremos, alcançamos prazer genuíno. São instantes possíveis sem culpas ou obrigações.
As coisas, pois, estariam resolvidas; contudo, existe outro lado: não há nada mais cercado, censurado, vigiado do que sexo. Nem após os avanços dos anos 1960 a questão foi solucionada: pouco\as tomaram mais liberdade, muito\as se fecharam numa onda conservadora surpreendente.
É necessário observar que o cerco ao sexo é uma tradição semita (judaica-cristã-mulçumana). É um costume, só um costume. Por exemplo, suecos e holandeses não são assim, têm outra tradição; aos indígenas desimporta um tanto o assunto; romanos e gregos tinham outro comportamento.
Bem, cada qual que use a cama tanto, como, para o que bem entender; que se resolva, gozando ou reprimindo seus desejos, porém, que saiba: mais ou menos liberdade nos afetos é apenas mais ou menos submissão a costumes que, pensando, pensando, não têm muito sentido.
Enfim, cogitando o tema, ainda que pejados da moral dominante, confessemos: pecamos, ou gostaríamos de pecar. Confissão e pecado – palavras de ordem religiosa – são inadequadas para dirimir a questão. Reflitamos sociologicamente o conflito: nós mudamos, ou desejamos mudar.
Ao curtir o corpo, buscando prazeres no ficar com outros corpos, livramo-nos de amarras morais: vencemos costumes, produzimos transformações civilizatórias. Se alguém for contra, peça-lhe um argumento razoável, ou sugira-lhe, fazendo-lhe o mais puro bem: namora, relaxa e goza.
* Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.
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