O escritor guineense Edson Incopté disse à Lusa que continuam hoje a existir motivos para uma “literatura de combate”, que foi fundamental na construção da memória coletiva que levou à revolução na Guiné-Bissau.
Em entrevista à Lusa, Edson Incopté identificou na literatura guineense, em particular na poesia, um “papel fundamental no processo de consciencialização e de apropriação do ideal” que levou à independência do país (declarada unilateralmente em 24 de setembro de 1973 e reconhecida por Portugal em 10 de setembro de 1974).
“Esse importante papel continuou no período pós-independência”, em que a literatura guineense trouxe um “olhar de exaltação daquilo que é guineense” e de “reafricanização”, depois de 500 anos de escravatura e de colonialismo que levaram “muito à perda da autoestima” e ao “apagão daquilo que são questões africanas”, declarou.
Apesar de os guineenses terem conquistado um Estado, o processo de construção de uma Nação prossegue e “não há veículo melhor para a construção da ‘guinendade’, da identidade comum, do que a literatura”, sublinhou.
“A literatura tem vindo, desde os primórdios da independência, a fazer uma luta (…) para a efetivação dessa construção de nação guineense através da construção de uma memória coletiva (…), de um ideal comum. E não há outro caminho”, acrescentou.
Edson Incopté apontou a enorme diversidade étnico cultural do país, “uma riqueza fantástica”, que tem de “ser um ponto de encontro para todos” e não elemento de divisão, podendo a literatura desempenhar o papel de “cola, que vai juntando toda essa diversidade num espaço único”.
“Na Guiné-Bissau continuamos a ter um forte peso dessa literatura de combate. Continua a haver motivos”, salientou.
Para o escritor, para que a literatura cumpra o seu papel, é preciso um outro investimento no livro e na leitura.
“Quando o próprio sistema de educação não tem a literatura nacional integrada no seu programa, é complicado criar hábitos de leitura” e, por outro lado, “não há qualquer política de incentivo à produção literária”, criticou.
É preciso, ainda, “um trabalho muito grande a ser feito na normalização do crioulo, enquanto língua oficial em coexistência com a língua portuguesa”, da qual apenas 13% a 15% da população tem o domínio, advertiu.
Para isso, é preciso que a sociedade e, em particular, o Estado aproveite os inúmeros trabalhos realizados no campo científico e que se retome uma discussão “muito antiga”, já levantada pelo educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, que defendeu o ensino em crioulo, pelo menos no ensino básico, frisou.
Edson Incopté é o autor de “Setembro Adormecido”, livro em que fala da esperança contida na proclamação da independência (em setembro de 1973), que está “adormecida”, e que é “um chamado para o acordar dessa esperança”.
“Eu olho para o futuro com um olhar de esperança (…). Não se pode olhar para a Guiné-Bissau de outra forma”, disse, lembrando que cerca de metade da população do país tem menos de oito anos e que existem “todas as possibilidades de construir uma sociedade pacífica”.
“A forma como o guineense vive essa diferença que existe no mosaico étnico cultural da Guiné-Bissau é única no mundo, e esse elemento tem de ser um fator de esperança. Temos que potencializar esse elemento, essa forma de viver a diferença”, afirmou.
Para que isso aconteça, é preciso criar condições para que a juventude, enquanto maior faixa da sociedade, “possa efetivamente desempenhar o seu papel de força motriz nesse processo de construção”, sendo a educação uma ferramenta vital, considerou.
“Não se pode construir uma sociedade relegando a educação para segundo plano”, sobretudo numa sociedade “em que apenas cerca de 8% tem acima de 65 anos”, salientou.
“O esperançar não é estar sentado à espera, mas é arregaçar as mangas e ir atrás, ir à luta para a efetivação dessa esperança”, concluiu.
A Semana com Lusa
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