segunda-feira, 16 setembro 2024

Memórias de Naífe Meninice

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José de Carvalho, o maior vulto da ciência e da cultura, nos primórdios do século vinte da nossa era, o emblemático José de todas as candeias, o mais nitente crioulo e orador do timbre de Demóstenes da  Ribeira de Candura, do Arquétipo dos Anjos e da província daquele tempo, por ter sido um valente e aguerrido lutador em prol da ilha em referência e entusiasta participante do seu progresso, ficou escandalizado, porque aproveitou para avisar – O meu cavalo terá o nome que escolher e pode até renunciar ao de batismo, mas no couro dele nenhum marmanjo terá coragem para zimbrar, enquanto eu tiver folego no peito, ares suficientes na caixa ressonante e nas narinas, com o  pé na esteira de múltiplos caminhos, com poderes para malhar nos pacóvios da comarca.  E protestou o principal sage nas paragens da mestiçagem - Arre! No meu amigo e companheiro de jornada ninguém mexe-. Assim, mandou soltar o bicho das amarras do meu pai e garantiu – Bater em ti, oh minhas asas da aventura! Não, só por cima do meu cadáver.

 Domingos Landim de Barros*.

«Se o mar tivesse uma varanda, eu veria o rei da India pela frincha de janela da minha ilha» – Sísifo Ali Jó

Um dia, o galo vai cantar na baía da minha Enseada. Perdoa-me o confrade Manuel Lopes, por te roubar esta batida preciosidade. Sabe, eu sou de origem obscura e não me sinto parte de terra alguma. Nunca entrei numa escola, nunca aprendi a pensar, a ler e a escrever. Jamais tive noção de catequese. E pior um pouco meditar em coisas de nobilíssimo quilate. Talvez seja da estirpe dos talibés e palaiês da minha África.  A pátria que me coube está no signo dos vates, no vento e na pulsão acelerada das marés dos ádvenas, nos versos dos exímios e denodados maiorais da minha crença. Apesar disso, tive infância e adolescência, como todas as criaturas do planisfério. Embora só me lembre vagamente da Enseada de Horizonte, enleada nas ilhargas de Santiago e na miragem da diletante ilha vizinha. Uma estância fatal e mítica, no seu estado assaz genuíno e apossado de mil encantos. E sempre pressentida por minha pele. Porém, em tempo algum tangida e percebida da minha mente. Tão somente visualizada. Ainda hoje me entretenho a coaptar apenas a palavra desnudada de regalia.

Na minha imberbe fase de guri e na eira de uma puerícia-excelsitude, olhava fixamente para o portal da ilha de frente e julgava ser a própria retina da minha alma. Depois, bradando aos céus, suplicava e clamava por azimute do Demiurgo e do seu impoluto espaço aéreo e venerável, ali no poiso do seu pleno monopólio, para me dar o lenitivo de destino, alento adventício, afim de cruzar o canal entre a Angra de Sustenido e a suculenta ilha de estima. A mezinha que me deixava captar e deliciar era singela, benzida e um tanto plana. Do poleiro do meu solar, em Cutelo de Eutimia e de Blandícia, podia divisar um camião rolando amenamente na estrada do infinito da minha próspera visão. A linha de horizonte ali findava. O limite entre o perene céu ideal e a terra perdulária e enjeitada também ali.  A nítida separação entre a magnificência de Deus no etéreo e a finitude do ser humano manifestava-se na esguia da sua díafana envolvência.

O meu Castelo de Sol na Fronte, não obstante trucidado desde ninho e vítima de vários ataques, tropelos e desaforos ao longo do seu percurso, deixava-me fitar e espairecer, horas a eito, a meritíssima de brinde, dando-me arrimo o ser do alto, para apreciar ou renunciar a bela noiva de baixa e escultural feição de musa. A Ilha do Quinto Mês, a minha inaugural paixão de sempre e vizinha ocular desde o limiar da minha vida, afigurava-se distraída e muito fria, mas era a principal espetadora do meu esmero nela própria e da minha incessante angústia de a não tocar, mesmo que de queixo caído e derretido a olhar para a sua apetecível fisionomia. Uma donzela acalorada e de estonteante sabor de vista.

E a nina, a magnífica princesa, uma constante de quietude e serenidade, muito prestativa de sal, doçura, peixe fresco e carne seca. Tudo adentro do falucho que arribava, para abonar a minha Enseada de quintessência e o Porto de Manguinho miraculoso, no seu auge daquele então. Uma espécie de majestade tranquila e inspiradora para poetas, marinheiros e trovadores. Marcava ela o ritmo da minha proba respiração, pela curiosidade de saber o que estaria por trás da sua inexpugnável barreira de ilusão, na tela de firmamento. Via-a do cimo do meu Castelo de Sol na Fronte, não para interpretar que me quisesse repelir ou reprimir a tentação da minha parte em avistá-la na nudez da sua mirifica silhueta de mimoseio. E aceder a dar-lhe um fervoroso abraço de distância do meu apreço. A ninfa pupa da minha infância era a junção de todas as potestades fenomenais. Enfim, acobertando de aura resplandecente o pequerrucho, rodeando-o de prebendas e mordomias, mas este a entrar na ombreira de falida adolescência, seria um eleito fustigado e sufragado pela pobreza.

Meu pai decidira plantar um pé de calabaceira, com o fito de lhe chamar a formidável ilha de mimo. Meu tio criou um vitelo e prometeu diante da prole - A sua invocação será, quando na madura idade adulta, ainda mais aliciante que a atribuída pelo meu cunhado à formosa ilha defronte da nossa instância. Muita gente quis saudar e bendizer da deliciosa. No fundo, a insula acabou por ser para todos da cercania uma extraordinária pousada de cobiçado deleitamento. Uma réplica de escarlata cintura de Dona Ginga, com o chapéu do rei Mandume, decalcado em todas as dezanove curvas do Monte Leba, tal que a aclamada e merecida Ilha de Mussulo, em Luanda. Uma terra de todas as palpitantes pulcritudes, como a distante Ilha de Niassa, de revoada e de filtrado devaneio, em Moçambique. Um outro tio da quinta de Gulungo Alto, por explosão de fulminante simpatia pessoal e familiar, estando de acordo com o ponto de vista do seu primo, em Mocímboa da Praia de Cabo Delgado, depois de acertar o passo ideológico com minha tia, residente em Água Izé de São Tomé, agilizou o envio de uma carta a perguntar se tudo estava airoso à volta da fascinante e também chamada a Ilha de Sua Majestade.

Toda a populaça falava da vizinha mais aconchegante da minha vida. Pois lá, a noite não criava escuros do tamanho do universo nem a sombra de montanhesca e descomunal envergadura, como em torno da tumba de mortalha, aziaga e temerata sobre a couraça do ser humano. O manso sol, quando chegava, emanava uma ramagem, com a brasa de ternura e de cálida igualdade. E eu que, na verdade, mais admirava a fulgurosa huri de preito, ninguém me quis ouvir, a propósito da nominação que pretendia endereçar ao meu enternecido fetiche d’olho. O vitelo, depois de grande e vacinado, gostou da sonora invocação, mas numa guinada de rebuscada gentilidade, preferiu que fosse rebatizado com a estrosa apelação de Mato Adentro, o alegrete de provento da minha tribo. Meu pai ficou amuado e algo encrespado. Mandou aplicar um par de chibatadas ao rebelde do animal. Meu tio Augusto, a residir em Colinas do Bué da Guiné Bissau, para mostrar serviço ao nível do humanismo e para provar que era um engajado cosmopolita e tolerante, resolveu argumentar que o senso da alimária, por vezes, pode ser muito mais agudo e aprimorado que o do homem.

José de Carvalho, o maior vulto da ciência e da cultura, nos primórdios do século vinte da nossa era, o emblemático José de todas as candeias, o mais nitente crioulo e orador do timbre de Demóstenes da  Ribeira de Candura, do Arquétipo dos Anjos e da província daquele tempo, por ter sido um valente e aguerrido lutador em prol da ilha em referência e entusiasta participante do seu progresso, ficou escandalizado, porque aproveitou para avisar – O meu cavalo terá o nome que escolher e pode até renunciar ao de batismo, mas no couro dele nenhum marmanjo terá coragem para zimbrar, enquanto eu tiver folego no peito, ares suficientes na caixa ressonante e nas narinas, com o  pé na esteira de múltiplos caminhos, com poderes para malhar nos pacóvios da comarca.  E protestou o principal sage nas paragens da mestiçagem - Arre! No meu amigo e companheiro de jornada ninguém mexe-. Assim, mandou soltar o bicho das amarras do meu pai e garantiu – Bater em ti, oh minhas asas da aventura! Não, só por cima do meu cadáver -.

Como era um ingente assimilado, polido e sobejamente respeitado, ninguém se adiantou na fileira de mofinos e bacocos, para o deter ou obriga-lo a abjurar. E a pulcra pupila do meu imo, sendo mel dos meus enternecidos olhares de menino, tinha a sacra destinação de ser a minha melhor e destacada confidente, sem lhe dirigir uma única palavra. A ilha do Laje, dos Évora, dos Spencer e dos Silvas e Tavares ainda existe e a sua mística também. Ela não exibe a fervilhante fadiga da anciã Ecbatana, do morto paraíso e dos assinalados artefactos, nem a púdica verdura de São Tomé e Príncipe e da cerrada floresta de Maiombe ou da estreita terra de esperança de Norberto Tavares e da Serra de Malagueta de Cabo Verde, mas pula pela vida e vai em breve ser o excrescente pulmão de alívio, de turismo e pacifismo do país, o cartão de visita da nossa desejosa gente de bem.

...

*A torcer por PALOP sempre

 

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Colunistas

Opiniões e Feedback

D. G. WOLF
12 days 23 hours

A Guiné-Bissau é uma espinha atravessada na garganta dos cabo-verdianos.

JP
17 days 2 hours

hehehe SATANÁS ta inspeciona DEMONIOS hehehe Só trossa propi

António
18 days 19 hours

Abro radio e tv oiço aplicacao de milhões e milhoes escudos , de um momento para outro. Cifrões serios e não serios

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