segunda-feira, 11 novembro 2024

SAFT-T CV (II)

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SAFT CV tomou como suporte esse preceito. Porém, esse preceito não obriga a que os contribuintes adotem sistemas informáticos para dar resposta aos desejos, manias, caprichos da Administração Fiscal. Tanto é que todos os contribuintes sujeitos ao sistema de contabilidade normalizada usam sistemas informáticos para produção de informações económicas, financeiras e outras para, sempre que necessário, e/ou solicitado, entregar em tempo útil para escrutínio da Administração Fiscal, quer pelas declarações quinzenais e mensais, quer pelas declarações anuais, quer pelas exigências nas análises interna e externa ou outras. Por isso, enquadrar SAFT CV como foi enquadrado é um mero abuso de autoridade, para não chamar outra coisa.

Por César Augusto Gonçalves Garcia

 

Cabo Verde, muito embora a evolução que tem tido a nível de plataforma eletrónica, há ainda grandes instabilidades, sobretudo na plataforma fiscal, talvez por excesso de informações que a Administração Fiscal exige em tempo curto (p.e., Portugal exige a entrega de informação de e-fatura até 5º dia do mês seguinte; Cabo Verde exige a entrega imediata, sob pena de contingência e a fatura não servir para dedução. Portugal, em vários casos exige entrega de declaração de IVA trimestral; Cabo Verde, mensal para todos os casos). No entanto, o nível de desenvolvimento tecnológico de Portugal não se compara com o de Cabo Verde, mas também ao nível de consolidação do sistema eletrónico.

O SAFT-T (Standard Audit File for Tax Purposes) “é um ficheiro de texto normalizado em formato XML que advém de uma recomendação da OCDE introduzida em 2005, com o objetivo de garantir o acesso às Autoridades Tributárias aos dados de faturação e contabilidade do contribuinte, independentemente do software utilizado”.

 Mas também SAFT-T (dado existir SAFT-P) “é um tipo de ficheiro padrão internacional para intercâmbio de dados entre empresas e autoridades tributárias”.

 De 2005 à esta parte, globalmente, só cerca de 15 países vêm adotando o SAFT-T, sendo que cada um vem implementando duma forma faseada, considerando um conjunto de dados mais reduzido numa fase inicial, usando uma versão que se adaptada aos sistemas das empresas/utilizadores.

SAFT CV, oficialmente, foi introduzido pela Portaria nº 47/21, fazendo ligação direta com o nº 6 do artigo 107º do CIRPC.

No entanto, já há alguns tempos atrás que a Administração Fiscal, no processo de liquidação de imposto, “inspeção interna”, vinha exigindo aos contribuintes extrato geral da contabilidade. Por outro, E-Fatura, uma das vertentes do SAFT, já obrigatório desde 2020, com o Decreto-Lei 79/2020, vindo a ser regulamentado por diversas leis subalternas, designadamente, Portarias nº 62/2020, 74/2020, 16/2022, Despacho nº 43/2022.

Se se comparar os países que vem adotando o SAFT-T com Cabo Verde, são todos países desenvolvidos, com elevada capacidade tecnológica, sobretudo a nível de plataforma de rede eletrónica. Mesmo assim, a adoção de SAFT-T vem acontecendo duma forma paulatina no sentido de melhor consolidação de vertente a adotar.

Por outro, em cada um desses países foram adotados critérios claros de Entidades sujeitas ao SAFT-T, critérios esses principalmente relacionados com grandeza, proteção de dados pessoais, custo de contexto, de entre outros.

Cabo Verde, muito embora a evolução que tem tido a nível de plataforma eletrónica, há ainda grandes instabilidades, sobretudo na plataforma fiscal, talvez por excesso de informações que a Administração Fiscal exige em tempo curto (p.e., Portugal exige a entrega de informação de e-fatura até 5º dia do mês seguinte; Cabo Verde exige a entrega imediata, sob pena de contingência e a fatura não servir para dedução. Portugal, em vários casos exige entrega de declaração de IVA trimestral; Cabo Verde, mensal para todos os casos). No entanto, o nível de desenvolvimento tecnológico de Portugal não se compara com o de Cabo Verde, mas também ao nível de consolidação do sistema eletrónico.

SAFT requer adequação de programas informáticos utilizados para processamento de informações de gestão a jeito da Administração Fiscal. O que significa que há que introduzir “novas linguagens” informáticas para ler e ir de encontro das exigências da Administração Fiscal.

As empresas, os contribuintes, dependem, sobretudo hoje-em-dia, de programas informáticos para responder às necessidades de gestão, quer na área de aquisição com gestão de stock, na área comercial com a faturação, na área de pessoal para gestão de recursos humanos, área de ativos fixos, mas também na área de contabilidade para tratamento de informações patrimoniais para garantia de registos de ativos mas também de apuramento de resultados, e não só. Se, por um lado, há algumas empresas com capacidade de ter  seu próprio programa informático de gestão, podendo assumir diretamente os encargos com adequação dos programas para responder às exigências fiscais, por outro, a grande maioria de empresas “aluga” programas informáticos para seu uso corrente, pagando um valor mensal e/ou anual, mas também, grande parte dessas empresas terceirizam alguns serviços, designadamente, de contabilidade, serviços esses desempenhados por gabinetes de contabilidade que usam programas informáticos “alugados” para tratamento de informações de seus clientes. Isso significa que a gestão de empresas, qualquer que seja a sua dimensão, depende, na nova era, exclusivamente de serviços informáticos para dar vazão às suas necessidades correntes de gestão, inclusive de apuramento de informação para escrutínio fiscal – impostos diversos. Note-se que os programas informáticos de gestão funcionam duma forma integrada, tendo no seu seio informações pessoais que requerem proteção. Ainda, os contribuintes assumem encargos enormes com a implementação, reparação, manutenção do seu sistema informático de gestão, quer o hardware que necessita renovação permanente, particularmente o software que exige sucessiva atualização.

O nº 6 do artigo 107º do CIRPC refere que “Os sujeitos passivos referidos no número anterior devem utilizar sistemas informáticos capazes de exportar os ficheiros da contabilidade e dos documentos de suportes, bem como de os comunicar e proceder a essa comunicação à administração tributária, nos termos a definir por Portaria do membro de governo responsável pela área das Finanças.

SAFT CV tomou como suporte esse preceito. Porém, esse preceito não obriga a que os contribuintes adotem sistemas informáticos para dar resposta aos desejos, manias, caprichos da Administração Fiscal. Tanto é que todos os contribuintes sujeitos ao sistema de contabilidade normalizada usam sistemas informáticos para produção de informações económicas, financeiras e outras para, sempre que necessário, e/ou solicitado, entregar em tempo útil para escrutínio da Administração Fiscal, quer pelas declarações quinzenais e mensais, quer pelas declarações anuais, quer pelas exigências nas análises interna e externa ou outras. Por isso, enquadrar SAFT CV como foi enquadrado é um mero abuso de autoridade, para não chamar outra coisa.

Outrossim, não basta ser empresa para que se tenha capacidade de adquirir instrumentos informáticos compatíveis com as exigências de Administração Fiscal. Sistemas informáticos não são condições sine qua non para a gestão adequada da empresa. Aliás, situações há em que o uso de sistema informáticos na gestão é perverso. E se pode acontecer com a gestão do próprio Estado, imagine-se uma empresa (caso recente acontecido com Alou). Mas também é sabido que Cabo Verde tem um tecido empresarial formado em mais de 90% por micro e pequenas empresas (muito embora ainda não se regulamentou a grandeza de empresas no Código Comercial, não obstante os critérios fiscais somente para efeitos de tributação, quando existem critérios internacionais, particularmente pela OCDE sobre o assunto), e praticamente para esses contribuintes os principais serviços informáticos de gestão são terceirizados.

Note-se que essas e outras exigências da Administração Fiscal interferem diretamente com a gestão da empresa, de entre tanto, a capacidade de empresa de adotar novos instrumentos definidos pela Administração Fiscal, que, além de aumento substancial de encargos de gestão, a duplicação de mecanismos/sistemas informáticos de controlo de gestão, na medida em que a empresa terá que ter tanto o sistema informático para o seu próprio controlo e que responde às necessidades fiscais, mas também adotar sistemas que meramente servem aos interesses fiscais, traduz-se na manipulação direta da Administração Fiscal da gestão corrente das empresas. Pois, tendo os contribuintes/empresas capacidades mínimas e adequadas de responder às exigências/obrigações fiscais de entrega de informações para análise e controlo de impostos, por que a Administração Fiscal obriga os contribuintes a adotar novos instrumentos eletrónicos, em duplicação, com impacto enorme no custo de gestão assumidos pelos próprios contribuintes, sem que a Administração Fiscal verifique a capacidade dos contribuintes de adotarem ou não essas exigências? Salvo aqueles com capacidade de produzir os seus próprios instrumentos eletrónicos para controlo de gestão, os restantes, a maioria, dependem de instrumentos apresentados e/ou impostos pelos detentores de patentes eletrónicos de controlo de gestão. Senão vejamos:

  • SAFT Inventário: a maioria das empresas em CV não tem um programa de gestão de stock. O que acontece é alguns que procedem ao controlo de saída de stock a partir do programa comercial, que inclui faturação aos clientes, venda a pronto pagamento, recibos, ou equiparados, (particularmente com a imposição de e-fatura), sendo o preço dos produtos/mercadorias inscritos no programa a preço de venda (algumas empresas utilizam um outro campo a preço de custo, situação incorreta). Se o SAFT recolhe informação diretamente no programa informático de gestão, significa que para o contribuinte entregar a informação de stock terá que gerir o seu armazém a partir de um programa específico de gestão de stock. Para tal é necessário que cada empresa terá que adquirir um programa informático de gestão de stock. Questão: (i) não há nada que obrigue uma empresa a gerir o seu armazém a partir de um programa informático de gestão; (ii) a ser obrigado a gerir o seu stock a partir de um programa informático, quem assumirá o encargo com aquisição do programa? O Estado, que financia a fundo perdido? As empresas? E se estas não têm capacidades para adquirir programa de gestão de stock, será que o Estado irá financiar a aquisição para empresas?
  • SAFT Faturação/E-Fatura: não obstante não tomar o apelido de SAFT, lógico que integra o SAFT. Foi primeiro SAFT introduzido no sistema CV. O nosso sistema de faturação começa com autorização fiscal do programa a usar, passando por identificação do cliente/adquirente pelo NIF ou nome completo, até à comunicação IMEDIATA do documento emitido ao cliente/adquirente. Certo que o CIVA obriga à emissão de documento – Fatura, Fatura/Recibo ou documento equivalente, num prazo de 5 dias após à cedência de bens ou execução de serviços, no entanto o preceito da fatura eletrónica obriga à comunicação imediata sob pena de o documento ficar em contingência retirando ao adquirente o direito de dedução do IVA suportado. Pretende-se com isso a rapidez de controlo de vendas por comunicação eletrónica, mas não se pensou no sistema de comunicação que pode falhar, e falha sempre, quer o sistema público que está sempre sem sistema, quer a internet que pode estar saturada ou fraca, de entre outras dificuldades, que pode não depender do vendedor, quanto muito do comprador adquirente. Realce-se que o IVA é um dos principais impostos que inclui o direito fiscal internacional. IVA na China e IVA em CV teem total equivalência – garantia de NEUTRALIDADE de imposto, sendo essa garantia através do mecanismo de compensação na cadeia de transmissão entre os sujeitos passivos até ao consumidor final ou contribuinte de fato pagador de imposto. Negando o Estado – Administração Fiscal, por qualquer via formal ou administrativa, a não compensação do IVA na cadeia de transmissão entre os sujeitos passivos é cobrar o mesmo IVA pelo menos 2 vezes - ao sujeito passivo e ao consumidor final, o que desvirtua por completo a caraterística principal do IVA, a NEUTRALIDADE do imposto. Não é por acaso que o Tribunal de Justiça da UE, em vários processos julgados, decisão essa em sintonia com a Diretiva IVA da UE, e que constitui jurisprudência para todos os Estados integrantes da UE, conclui que (1) o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais; (2) o sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, também sujeitas ao IVA; (3) Tais vícios poderão, quanto muito, e por si só, dar origem à aplicação de sanções; (4) Se uma determinada fatura, embora contendo vícios formais, permite assegurar a exata cobrança e  respetiva fiscalização do imposto, deverá ser aceite para efeitos de exercício do direito à dedução. (5) a recusa do direito à dedução com fundamento em vícios formais só poderá ter lugar naquelas situações em que é posta em causa a exata cobrança e a correta fiscalização pelas autoridades fiscais; (6) lá onde o vício formal em causa não afete a possibilidade de correta aplicação e fiscalização do imposto, não pondo, nomeadamente, em causa o risco de perda de receita fiscal, o direito à dedução não deverá ser impedido; (in Cadernos de IVA 2015) 
  • SAFT Contabilidade: diversos são os programas usados para tratamento contabilístico, cada um sistematizado a dar resposta às regras contabilísticas previstas em Sistemas de Normalização Contabilísticas. Não obstante, não há obrigatoriedade de usar este ou aquele programa de contabilidade. Questão: será que todos os programas respondem às exigências fiscais e será validado pelo Fisco de forma à comunicação eficiente e eficaz? (Como se sabe, lobbies sempre há para que a Administração Fiscal tome esse ou aquele programa como base para influenciar o seu uso aos contribuintes). Por outro, da forma como a Administração Fiscal exige a informação, caso for cumprido, essas informações contabilísticas podem transportar dados sensíveis e pessoais suscetíveis de proteção, o que requer cuidado dobrado. A maioria dos contribuintes tem serviços de contabilidade terceirizado, o que requer atenção privilegiada. Introduzir configurações exigidas pela Administração Fiscal, pelas “Taxonomias”, requer trabalho redobrado dos contabilistas, em consequência o aumento substancial de tempo a dedicar para o cumprimento das exigências fiscais (o que requer contratação de mais pessoal), com impacto, claro, no ajuste de avença, que deverá ser assumido pelo cliente/contribuinte, sem contar com os trabalhos executados pelos informáticos, tudo isso com o aumento de encargo do cliente/contribuinte.

Note-se que até o presente momento o controlo fiscal ultrapassa o necessário e é mais do que suficiente. O Fisco exige todas e mais algumas informações contabilísticas aos contribuintes, cruza informações de compras e vendas pela e-fatura, além de exigir com a declaração de IVA a entrega de anexos de clientes e de fornecedores, uma duplicação desnecessária. Com o SAFT CV, de forma como está sendo implementado, não é nada mais de o Fisco pretende controlar a gestão do contribuinte em tempo real, pondo assim em suspenso e/ou atenção o trabalho futuro dos Técnicos de Contas.

Como falou e disse e bem José Araújo, “A desmaterialização veio para ficar, mas os benefícios devem ser para todas as partes envolvidas e há fronteiras que não devem ser ultrapassadas, correndo-se o risco de nos virmos a arrepender no futuro, quando o mal for efetivamente provocado.

E veja-se, quanto à desmaterialização, que para qualquer informação pedida pelo contribuinte tem que se dirigir aos Balcões das Repartições, preencher formulários e aguardar alguns dias pela decisão e caso for favorável tem que de novo dirigir-se às Repartições para pegar a informação em papel (nunca por via eletrónica) …

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Julho.2024

(continua)

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