O Presidente de Cabo Verde desafiou os escritores a escreverem livros para “resgataram o diálogo”, acusando as redes sociais de destruir o que é comum, a pluralidade, o diálogo entre os entes diferentes.
José Maria Neves falava na cerimónia de abertura do XII Encontro de escritores de Língua Portuguesa, que arrancou nesta quinta-feira na capital cabo-verdiana, onde decorre até domingo, organizado pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), juntamente com a Câmara Municipal da Praia.
“As tecnologias informacionais estão a destruir esta nossa relação com o outro, estão a introduzir enormes ruídos no diálogo, a cercear os espaços de liberdade, estão a destruir, a fragmentar a esfera pública democrática e a causar grandes transtornos à democracia”, afirmou o chefe de Estado cabo-verdiano, perante uma audiência de escritores de vários países lusófonos.
E prosseguiu: “Destroem o que é comum, destoem a pluralidade, destroem o diálogo entre entes diferentes. Porque temos a nossa página e o grupo de amigos e só aceitamos os que pensam como nós, para nos dar os gostos, porque procuramos mais, mais e mais reconhecimento do mesmo grupo fechado, que nos afasta das diferenças, que nos afasta do diálogo, que nos afasta do debate”.
Perante este estado das coisas que identificou, José Maria Neves disse que é tempo de mobilizar os escritores para escreverem livros e, dessa forma, “abrirem novas avenidas para a liberdade e a defesa da democracia, contra a exclusão do outro, contra o desaparecimento do outro”.
“As tecnologias informacionais, para além de excluir, produzem e reproduzem a ignorância. O saber é algo de muito mais moroso e exige muito mais trabalho, exige muito mais leitura, mais diálogo. Então, só o livro permite criar o saber, permite criar conhecimento, permite-nos viver várias experiências, permite-nos ir além do que é obvio e evidente, do curto prazo, do que é instantâneo, do que é fugaz”, disse.
Neste encontro que tem como tema geral “Literatura, liberdade, inclusão”, e que homenageia o quinto centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões e o primeiro centenário do “pai” das nacionalidades cabo-verdiana e guineense Amílcar Cabral, o Presidente de Cabo Verde disse, em relação ao primeiro, que “é tempo, 500 anos depois, de lembrar efetivamente Camões pelo seu contributo para a língua portuguesa”.
Sobre Amílcar Cabral, reconheceu que várias vezes se surpreende com as polémicas em torno das comemorações do centenário do seu nascimento, em Cabo Verde e na Guiné-Bissau.
“Só homens desta envergadura conseguem gerar tanta polémica. É difícil uma pessoa obscura, que não tenha dado nenhum contributo, suscitar tanta paixão e, felizmente, Amílcar Cabral desperta a curiosidade de todos - aqueles que o admiram, aqueles que não concordam com as suas ideias”.
O encontro arrancou nas instalações do Instituto da Biblioteca Nacional com um momento musical (viola), seguido da declamação de poemas de Amílcar Cabral (“Que fazer?”) e de Luís Vaz de Camões (“Amor é fogo que arde sem se ver”).
O secretário-geral da UCCLA, Vítor Ramalho, classificou os dois homenageados como “duas personalidades que puseram os olhos muito longe”, enquanto Daniel Medina, presidente da Associação Cabo-verdiana de Letras, sublinhou que a literatura tem sido “a voz da resistência, contra as opressões”.
A Semana com Lusa
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