sexta-feira, 27 setembro 2024

O outro de Tati Bernardi 

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Parte do Brasil vai bem. Estou nela. Quero dizer: algum estudo, alguma renda, plano de saúde, coisas assim. Nada demasiado, condições que dão segurança ao cotidiano. Situação além da conta média, porém, nesta Pátria que concorre pelo último lugar do mundo em distribuição de renda.

 

Por Léo Rosa de Andrade*

Lembro José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”. Desconsideramos que nossos entornos urbanos e nossos fundões são nossa circunstância: incluem – e como – a parte do Brasil que não vai bem.

Tati Bernardi, a quem admiro, há algum tempo (FSP, 17mar17): “Waldecir, segurança do meu prédio, puxou papo enquanto eu esperava o elevador: [...] Fiquei me perguntando se valia a pena perder alguns minutos discutindo com um senhor de 58 anos, evangélico, criado em família extremamente machista do interior de Pernambuco.

Se a gente começar a discutir com todo taxista malufista, tio reaça que tira foto com PM, jornaleiro fã do MBL, professor de crossfit e publicitário das antigas, talvez nos sobre muito pouco tempo para viver nossa vida. Então, fazer o quê? Deixa quieto? Sorri? [...] Torce para o tormento acabar logo?”

Adiante: “Na semana seguinte, Waldecir veio correndo, estava ainda mais perplexo: ‘O programa só piora [...]’”. Na sequência o segurança despeja sobre Tati os seus preconceitos rancorosos contra Amor & Sexo, programa da TV Globo, particularmente contra travestis: “Aquela gente” é normal e legal?

Tati o contesta: “Exatamente, Waldecir. Eles são normais e legais. Você é que anda um tanto chato e paranoico. Para não falar retrógrado, preconceituoso e ignorante”. E indaga: “O que você acha melhor ensinar aos seus filhos [...]: dar porrada em todo mundo que considerar diferente, ou respeitar qualquer que seja a orientação sexual e visual do amiguinho?”.

Conclui elegantemente sua réplica à estupidez que ouvira: não se trata de gostar de “viado de saia”, mas “de gente em suas mais complexas e lindas formas de expressão”. Eu não rebateria melhor um preconceituoso que me injuriasse a consciência com seus (des)valores hostis. Tati, entretanto, labora em equívoco ao formular as premissas desse seu texto.

Tati, assim como eu (talvez quem lê a ela ou a mim), está no Brasil confortável. Não só materialmente. Quem compõe a parte vantajosa desses dois Brasis que se estranham nas ruas, nos taxis, nos elevadores, na política tem mais chance de ser sujeito\a advertido\a (linguagem psicanalítica).

Nesse distanciamento conceitual, ideológico, econômico, educacional etc. em que brasileiro\as se estabelecem desigualmente, algun\mas estudamos, temos – às vezes com mérito, comumente sem mérito algum – boa renda, safamo-nos do cotidiano desgastante e alienante em que parte da Nação sobrevive.

Bem, tanto quanto a Tati, posições insultantes às diferenças também me agastam. Porém, aí, atenção: pouco\as exercem preconceitos em condições avantajadas; a maioria é vítima – inclusive ideológica – das injustas relações sociais brasileiras. Seja: há quem produza preconceitos sociais; há, todavia, quem seja, à sua revelia, constituído por tal produção.

Discrepo de Tati, todavia, quando ela se declara atormentada – palavras suas – pelo senhor evangélico, nordestino e machista, pelo taxista malufista, pelo tio reaça que tira foto com PM, pelo jornaleiro fã do MBL, pelo professor de crossfit, pelo publicitário das antigas.

Ora, esse Outro da Tati que Tati refuta compõe tanto quanto o travesti que ela – e eu – defende (“pessoas que vivem machucadas pelo preconceito, prostituídas pela falta de empregos, carentes de respeito, compreensão e amor”), a parcela do\as brasileiro\as com a qual mais deveríamos buscar e sustentar diálogo.

O\as advertido\as (ou que assim nos temos em conta) devemos refugar o pastoreio religioso, não o\a “cordeiro\a”; o machismo, não o\a feito\a machista; a PM violenta, não o\a tio\a no retrato; a ladroagem do País (à esquerda ou à direita), não o\as equivocado\as que veem solução no MBL; o\as pregadore\as de violência, não o\a taxista que se entrega, pela introjeção do medo, ao discurso de segurança assassina do malufismo ou do bolsonarismo.

Mais concordo do que discordo de Tati Bernardi. Sobremaneira, aquiesço: “Ainda falta emocionar, educar e incomodar muita gente”; principalmente gente privilegiada. O combate “moral” não é ao\às alojado\as a contragosto nas franjas do sistema. Ademais, se o segurança via Amor & Sexo, algo de bom o programa lhe dizia. Pelo que viu, não pelo que disse, um abraço no Waldecir.

 

Doutor em Direito pela UFSC.Psicanalista e Jornalista.

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