sábado, 23 agosto 2025

SÃO VICENTE: AS LIÇÕES DE UMA TRAGÈDIA

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 Não é um fenómeno novo, mas as imagens divulgadas pelos meios de comunicação atuaram como um espelho implacável. Elas não refletem certamente o que gostaríamos de mostrar, mas o que preferimos esconder: a nossa incapacidade, enquanto sociedade, de garantir uma vida digna a todos. Estas imagens deveriam assombrar cada decisor, pois "Viver dignamente é um direito, não um luxo".

Por Alexandre Fontes

 

O dia 11 de Agosto de 2025 ficará gravado na memória coletiva de Cabo Verde como uma data sombria. Nesse dia, a ilha de São Vicente foi atingida por chuvas torrenciais que provocaram inundações violentas. O balanço é pesado: oito mortos, incluindo 4 crianças, e danos materiais significativos, afetando tanto as infraestruturas públicas – estradas, espaços comuns – e habitações privadas e comércios.

 

Não é suficiente tomar atos simbólicos, lamentar por estradas destruídas, bens perdidos e casas arrasadas. Pois a chuva não apenas levou vidas humanas e bens, mas expôs as nossas fragilidades e falhas mais profundas e soa como um aviso para outros municípios, visto que encontramos as realidades de São Vicente em outras cidades e, sobretudo, na capital do país, e isso, numa escala ainda maior.

Além disso, se as perdas humanas são irreparáveis e os danos materiais superáveis com o tempo, este drama destacou duas realidades que já não podemos ignorar: a pobreza extrema que corrói a nossa sociedade e os erros de urbanização que agravam a vulnerabilidade das nossas cidades.

1.      A extrema pobreza: uma vergonha e um falhanço coletivo

Não é um fenómeno novo, mas as imagens divulgadas pelos meios de comunicação atuaram como um espelho implacável. Elas não refletem certamente o que gostaríamos de mostrar, mas o que preferimos esconder: a nossa incapacidade, enquanto sociedade, de garantir uma vida digna a todos. Estas imagens deveriam assombrar cada decisor, pois "Viver dignamente é um direito, não um luxo".

“Ser pobre não é vergonha, é a pobreza que representa a vergonha”.  A pobreza é sim um sinal do fracasso de um modelo de desenvolvimento e da incapacidade dos governantes sucessivos em erradicar este flagelo e uma vergonha para a sociedade. Viver dignamente é um direito fundamental. No entanto, foram as condições de vida precárias que custaram a vida a pelo menos cinco das oito vítimas recenseadas.

É urgente e necessário repensar as nossas prioridades. Os projetos de prestígio ou outros gastos em mordomias não fazem sentido quando cidadãos são condenados a viver em zonas perigosas, sem infraestruturas básicas e em condições inimagináveis para nós, que temos um conforto que consideramos natural, mas que por vezes é efémero. Uma verdadeira cruzada nacional deve ser engajada contra a pobreza, colocando no topo da agenda dos partidos políticos o objetivo de tirar cada cidadão da miséria.

2.      Os erros de urbanização: Um cocktail de desrespeito pelas leis da natureza, falta de autoridade e certamente corrupção.

Este drama revela também um problema mais estrutural: a nossa forma de conceber e organizar as nossas cidades e os espaços urbanos ou a falta de planificação e organização das mesmas e quando existe, o desrespeito das mesmas. Três pontos mereceriam assim uma atenção especial:

  • Ignorar a natureza e as suas leis é um erro que pode ser fatal: A hidrologia, as vias naturais de escoamento das águas e outros matérias orgânicas todos esses fatores devem condicionar e orientar o ordenamento do território. Muitas vezes, essas imposições naturais são ignoradas, levando a construções e edificações em áreas inundáveis, especialmente nos leitos secos das ribeiras e nas encostas íngremes dos montes. É comum ouvir-se, "la nature reprend toujours ses droits” (a natureza retoma o que lhe pertence). Talvez seja necessário refletir sobre isso, especialmente com as consequências inerentes ao aquecimento climático.
  • Uma falta gritante de autoridade administrativa: As instituições, leis, códigos e regulamentos existem, mas a sua ação e aplicação permanecem fracas ou inexistentes. O exercício da autoridade – legal, justa e firme – é uma condição indispensável para proteger os cidadãos. As instituições existem, de facto, e o seu funcionamento absorve uma boa parte dos nossos impostos, as leis e os regulamentos foram votados e adotados, mas o exercício da autoridade é o grande pecado do nosso país e a realidade do setor urbano não é um caso isolado, infelizmente…
  • E talvez, a corrupção como corolário: Decisões aberrantes relativas a concessão de lotes de terrenos e autorizações de construção em zonas de risco, incompetência no planeamento urbano pode ser o resultado dessa pratica, visto que os que praticam tais atos são geralmente bem formados e lúcidos. Estas práticas fragilizam a segurança dos habitantes e desfiguram o espaço público. Estas são afirmações talvez fortes, mas todos sabem que a nossa sociedade está a ser corroída por este mal. Queremos preservar a imagem do país, dir-se-á, ser politicamente correto, mas não devemos esquecer que a corrupção mata e talvez seja tempo de os nossos Deputados e o Ministério Publico se debruçarem sobre a questão.

Uma lição para todos

O que aconteceu em São Vicente não é um fenómeno novo, nem isolado, uma vez que ouvimos infelizmente todos os dias noticias de catástrofes deste tipo em todo o mundo e nenhum país, desenvolvidos, subdesenvolvidos, rico ou pobre, está isento. No entanto, aconteceu connosco e as nossas famílias, vizinhos e os nossos próximos foram vítimas. Assim, temos o direito de analisar a nossa situação, identificar as circunstâncias em que se desenrolaram e corrigir ou tomar medidas para que tais situações sejam evitadas ou não se repitam mais.

Primeiro, é preciso reconhecer que a nossa urbanização é um fracasso e constitui uma  Espada de Dâmocles acima das nossas cabeças. Com as alterações climáticas, o laisser faire ou o fitcha odjos, se transformou numa verdadeira bomba de atraso. Construímos ou deixámos construir nos leitos das ribeiras, ignorámos os caminhos naturais de passagem da água, distribuímos terrenos ou espaços não construíveis ou reservados, aos amigos ou em troca de serviços. Em suma, a falta de vontade politica, a falta de autoridade e a corrupção ou a incompetência transformaram as nossas cidades em armadilhas mortais.

Segundo, o provérbio "mais vale prevenir do que remediar" aplica-se perfeitamente ao nosso país, cujos recursos são limitados e cuja capacidade de intervenção é restrita em caso de catástrofe. Assim, a prevenção, que certamente requer menos meios e sobre a qual podemos ter um melhor controle, permitirá que, diante da ocorrência de desastres naturais sobre os quais não temos controle, possamos evitar tragédia como a que acabámos de viver.

Esta prevenção passa necessariamente pelo respeito à natureza, pelo rigor na aplicação das regras de construção, particularmente no que diz respeito a drenagem de agúa e acessos e pela responsabilização dos decisores em relação as autorizações e fiscalização das obras e empreendimentos.

Com as ameaças ligadas as mudanças climáticas, já não podemos permitir repetir os mesmos erros. Cabo Verde não tem recursos para "curar" após cada catástrofe. Tem de prevenir: respeitar a natureza, aplicar as regras, e implementar uma politica de responsabilização e de sanções aos responsáveis das desordens.

Ainda há tempo para corrigir os erros de ontem e evitar os dramas de amanhã.

Nádia Silva
Quando o Erro é Consciente, Chama-se Crime
Quando se erra por ignorância, ainda se pode desculpar—mas quando se sabe o que se está a fazer, e mesmo assim se segue adiante? É aí que passa a ser crime. E quem deliberadamente fecha os olhos, escorrega na negligência consciente, merece algo mais forte do que sermões: tem de haver responsabilização criminal, ponto final.

É inaceitável que, perante tragédias evitáveis — causadas por erros de urbanização, planeamento falhado ou lógica de absurdos — alguém se desresponsabili ze. A lei oferece instrumentos — declaração de responsabilidad e, sanções civis e criminais — para punir esses actos. A impunidade não pode continuar a imperar quando as falhas são claras. A partir do momento em que há consciência do erro e persistência na mesma conduta, passamos do lamentável para o criminoso. Tem de existir consequência.

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