sábado, 23 agosto 2025

Notas da Roda de Pulso

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Estou na Ladeira de Landundura, um lugar aprazível e muito divertido. Porém, às vezes acontecem contrariedades e cenas mirabolantes. Assim, nos manda notificar a Junta de Inconfidência, de Virtude e Suplicação, para nos dar a conhecer o seguinte teor da sanha – Somos pelo presente ofício a notificar os mesteirais, vultos dos diversos ramos de ofício, em como doravante a literatura está banida e fica extinta sine die. Um país com as nossas caraterísticas não precisa da literatura e da alta cultura, como se diz. Então, suprimimos a citação e optámos pela via de simples notificação, tendo em conta não ser possível apelar da nossa decisão para junto de absolutamente ninguém. As figuras abrangidas pela medida não podem reagir, ameaçando com desagravo. A sindicância aos nossos atos está fora de qualquer cogitação. Pois, o édito da Junta Soberana não é suscetível de recurso. Admite-se, no entanto, no mesmo instrumento, bafejar de unção a música de terra, sobretudo o hip-hop-rap e o majestoso cotchi pó.

 

Por Domingos Landim de Barros*

 

Hoje, encher a boca de excremento e lançar sobre pessoas honradas e recatadas tornou-se um modo de amealhar prebenda ou sinecura, uma prática abençoada e rotineira, o maior ato de bravura e de heroísmo dos trafulhas e gananciosos pigmeus da cercania. De acordo com o valente parecer do ancião, Cícero Varela, temos obrigação de arrepiar caminho, corrigir a rota e fazer melhor. Onde está a inerme batalha de uma sociedade civil organizada, evoluída, assertiva e cidadã?

 

 

 

As artes cénicas são do nosso inteiro agrado e merecem aplausos de toda uma nação. Tratando-se de um país cómico de feitura, achamos de ática frescura não lavrar nenhuma sentença. Cumpra-se, sem alarde e sem chatice. Assinam os da Junta de Inconfidência – Bem, Ladeira de Landundura, além da bosta de lagaia, tem pouco mais. Seja como for, estou aqui para afrouxar o gorro da moda ao prudente agravo dos da Casa de Suplicação. E não era para menos. Há muita ligeireza de costume na ambiência de supostos eruditos e literatos. É só olhar para recente nota do memorialista, Cícero Varela, que nos dá conta de tanta leviandade intelectual no território – Aqui, o ato de matar ou de roubar não causa aflição à alma do semelhante. Em consequência, não há desassossego. Contudo, por altura dos festivais e do brinde ao magnífico Rei Momo, o poviléu torna o evento um propício e imperdível ensejo de negócios e de frenéticas bacantes. Dá asas à imaginação e transforma fantasia em realidade, num ápice de mágica. Adota o sistema de bailados e folguedos, galopa na garupa de jumento, fazendo-se passar por dono de Ferrari, convertendo a sua vergonha em múltipla vanglória. 

Os homens, à imagem dos egrégios Romanos da antiguidade, usurpando dos Gregos tudo quanto do ático valioso, como a cultura refinada, tocam lira. As ninfas ou donzelas de inexpugnável reputação cantam e dançam eximiamente bem. São miúdas de agraciada queda pelo falsete, com estonteante sonoridade a sair-lhes da veia e da siringe, da espécie de Sinatra, Edith Piaf ou de autêntico castrati – Com todo o respeito pela pureza do nome alheio, julgo que a auspiciosa invocação do sedicioso soba local devia usufruir de um triz de transmutação, passando a Cícero de Bronze, o nobre de caráter.  E acrescento algo à lamúria do inconveniente memorialista: ao lado dos jagunços de cabaré, as eleitas de ladrões e malfeitores do Grão-Ducado mostram-se munidas de impecável habilidade, nomeadamente no quesito de subir o pau de metálica varinha, exibindo o seu magnífico e lúdico espetáculo de strip-tease.

 Ainda existe, para o delírio geral do reino, um chanfrado guarda noturno, o vulgo Patulé, o pulha fanfarrão da casa mais nojenta e abjeta da nossa área de cultura e de vivência, o promíscuo e ardiloso, o blasfemo e mentiroso, com a boca cheia de praga, que desanca em todo o mundo, quando não idolatrado e bajulado. Podia chamar-lhe melga, mas, enfim. O gajo provoca e ladra tando na colina de vaidade, acabando um dia destes a uivar às portas do esdrúxulo inferno de toda a depravação. Caramba! Ninguém deve sofrer com tamanho opróbrio de um só escumalho da boca de serpente. O que mais choca e apoquenta é a acrítica atitude da sua escolta de bestiários e paspalhos de falso gabarito, os indefetíveis apaniguados que, fazendo corte ao sujeitinho, ao invés de observar, analisar e refletir, para veementemente repudiar as suas indecências lexicais, se limitam a reproduzir e a propagar, in totum, toda a merda que o chicharrinho expele da goela, pútrida e não só.  

Como se as humanas criaturas fossem abrigadas a carregar a sujidade de um pelintra na couraça, a ponto de venerar um desbocado rato de esgoto. Chiça! Pedir anúduvas ao povo para causa de um sinistro caranguejo?  Era preciso ter estomago de abutre. “Oh agu tuntum, calderon bedju!”. Oh corvo azedo dos inóspitos cutelos de mau augúrio! Vá de vez e não mais volte! Ainda para mais, o frangalho de corcunda das “tabernólias”, o pária inútil de qualquer serviço ingente, tem a esmola de ser vedeta das achadas de alimária, para açular os cães vadios e pô-los contra as pessoas. Julga-se na pose de nitente e cabrestante dom de ubiquidade, o impoluto, o intocável, mesmo sendo um crápula rafeiro, uma fede “cocozeta” da ribanceira. Um tipo da cabeça de pulguinha, que para se desvencilhar do mal de fígado satã, embosta a nossa plenitude paradisíaca com fecal e boçal falácia mole. O bimbo de natura mete a boca dentro da sanita, sorve dela toda a miasma ali existente e começa a aspergi-la na direção do escol de respeitável fina gente, homens e mulheres engajados em redanhas de quintessente categoria. 

Certo que a lepra do “campetchi” não chega longe. Porque ser polido e instruído implica ter bom senso e sentido de equilíbrio nas hostes de seja quem for. É um pecado mentir, difamar e caluniar o conterrâneo. Aqui, existe machos da estribaria e do antro de perfídia e de funesta pirataria, que falam afoitamente à toa, como fêmeas à porta do mercado de peixaria. São fraudulentos, sus scrofas assumidos e disfarçados ladrões de título, de túmulo e diploma, que quando apanhados com cuecas na mão ou com boca na botija, são malandros assanhados, amarrotam a cara de pau e ficam sem cabresto na focinheira. Depois, compelidos a exasperar contra a sua própria postura de reles e de entes imprestáveis. 

Dentre eles, um eminente charlatão de nome Papá Noé. A exemplo do Pai Natal, usa chapéu de abas largas e de aparência cangaceira, clareia o cabelo, cria enorme barba branca e afasta-se do pleito, de forma precatada e temerata, tal que Lampião dos atribulados anos da primeira metade do século XX. Tudo para imitar o mestre que ele deifica. Um feito que nunca há de lograr, porque, segundo o seu próprio comparsa e rufião de todas as horas de aldrabice, alguém que o conhece de ginjeira e é lhe assaz chegado, com ainda maior asco de egolatria no coturno de musaranho e que assim o debocha e menoriza - Tu só sabes plantar batata e produzir umas abóboras. Obra que é mister e de candente necessidade, népia.

Bem, são ambos marsupiais e gigolos, uns símios indolentes no galho de rapinagem. São ambos sicofantas e facínoras de boca e de ação. Uns caninos cheios de sarna na pelica e no desejo. Uns panhonhas que cutucam o Cícero Varela, mas só sabem induzir mulheres enrugadas e caducas, porque não ousam seduzir uma beldade da luzente esfera de juventude. O Papá Noé vive acantonado num castelo que jamais edificou, mas hoje depois de surripiar com truques, manhas e momices o acervo do convento de alma genuína e lutadora, arma-se em bicho papão de santidade e requintado fidalgote, a custo zero. Aqui, há, na realidade, uma grande variedade de pequices, vilanias e bastardias. Apenas não tem a cultura do livro, da leitura e do pujante cosmopolitismo. Em minha terra de origem, por exemplo, inexiste espaço de batuco, sala de leitura, museu e biblioteca. 

As criaturas picuinhas e agarradas à sua pechincha do dia a dia, nem querem saber do elemental. Uma zanga aqui com o cheiro do tabaco e fumador; outra zanga ali com o bafo do grogue e bebedor. Enquanto isso, muitos filhos de boa gente estão a perder-se no consumo de drogas duras e pesadas. Fogo! Que almas minudentes? E a tão propalada formação universitária, agora rasca e só de nome, que não vai servir a nenhum propósito exigente, sério e vanguardista? E os inveterados criminosos da república, os que assaltam, açambarcam e vendem aquilo que é de todos, por tuta e meia, e nada de apoquento os acontece? Um país de sonantes aldrabões à solta, à esquerda e à direita e ninguém diz nada. Ou será apenas uma “Junta de Freguesia”, como diria o saudoso cronista, Manuel Delgado? 

A judiaria, a matança e roubalheira, ao que parece, não faz mossa no principado de aluados sibaritas. O enorme saque ao erário público não afeta a vida do vulnerável. Pois, “bebecos” e “bostecos” de fundura só se inquietam com ninharia, com vida miudinha e singular de cada um, tais como a forma de se vestir, de andar ou de falar, o tipo de verniz ou de sotaque. Mesmo em medianas centralidades, os clamores pelo respeito da vida humana e da sua integridade começa a perder terreno em detrimento de coisas fúteis. O mundo está a correr para o reinado de absurdo e de apelo ao cataclismo. Quem tenha vivido e observado este pináculo de poiso, desde os primórdios da sua livre decisão, tem muito para pesar e comparar. Está-se numa lufa-lufa, balbúrdia e renhida “balofada”, que não lembram nem ao diabo e Serafim, na fase inaugural da sua disputa pelo trono de El-Shaddai. E o chamado bem comum onde é que fica? 

Hoje, encher a boca de excremento e lançar sobre pessoas honradas e recatadas tornou-se um modo de amealhar prebenda ou sinecura, uma prática abençoada e rotineira, o maior ato de bravura e de heroísmo dos trafulhas e gananciosos pigmeus da cercania. De acordo com o valente parecer do ancião, Cícero Varela, temos obrigação de arrepiar caminho, corrigir a rota e fazer melhor. Onde está a inerme batalha de uma sociedade civil organizada, evoluída, assertiva e cidadã?

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*Sob a toga de Cícero de Bronze

Fundura Margosu
Fadjadu
Não é a literatura e nem a cultura que morreu, caro Domingos, mas a fé desmedida que depositaste em deuses de carne e osso que não possuem espinha e kodjon. Ontem, ergueste altares a poetas como se fossem divindades; hoje, apedrejas os mesmos ídolos que coroaste. Talvez a tua revolta não seja contra a poesia ou contra o país, mas contra a própria sombra de um José Luiz Tavares que tu já não consegues engolir e nem reconheces. Mundo é benba pá. Difícil é assumir que o mesmo fogo que queima os falsos profetas também incendeia os antigos fiéis. No fim, José Luiz permanece POETA, tu permaneces satírico, e Cabo Verde, entre vossos duelos, continua a precisar mais de pontes do que de trincheiras.
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