Estimulo-te, meu mano: levanta-te do abrigo e vem cantar o hino da nossa livre-decisão, com a estrosa mocidade, na Metade de Canela da capital, e comemora. O patriarca Eugénio Divo e o Lopes Nativista, ambos acérrimos videntes, projetaram a fundação do nosso amparo e legaram o ingente nobre feito aos seus esmerados e lídimos dervixes, os acionistas do principado e de toda a ática frescura do nosso alívio, Amílcar Lopes Cabral, Aristides Maria Pereira e comandita. A eira é agora ampla propriedade horizontal. Por isso, te imploro: impulsa, no íntimo de ti, ergue o facho de lume santo e dê loas às portentosas latitudes da atualidade. O monstro do passado pereceu e não faz conta. A vaga de chuva seca esvaneceu. A saraivada de Harmatão é agora humedecida brisa meiga e submissa, a contendo do cabresto da nossa saga.
Por Domingos Landim Barros
«Deus quer, o homem sonha, a obra nasce», Fernando Pessoa.
Deixe fluir e esvoaçar no vento, o pano tricolor da nossa gesta. Deixe expandir e progredir no tempo a radiosa sanha da nossa gente. Deixe, meu irmão! O ontem morreu de vez. Foi uma fase de atrofiada sensatez quanto à construtura do nosso ser e destino da nossa sorte. Herança de uma era cinzenta e de parada ação na história. Como diria um ativista inconformado, foram séculos de riba de séculos de desaforo. O desabafo é da lavra de um nitente vate nosso. Os abrenúncios são o consolo de injustiçados serviçais. Ainda há pouco aconteceu mais uma sonante ingratidão, na armadilha de traiçoeira convivência. E nós, que até nos denominam de mais próximos, ficamos abismados com a crueldade da situação. Ai esse nós de ilusionista assombração!
Tudo numa lógica de atrair para enredar e destruir. O assédio físico e moral existe mesmo. Não se sabe se de repugnante ignorância ou de deplorável entremez. Tiram-nos o cimeiro ente de nós. Levam-nos aonde houver a gana e a veneta da sua pirraça. Curiosamente, sempre nós, os mais arrasados e destratados. Nós, os filhos de um deus espúrio e assim bacoco. Ai se fossemos frouxos e medíocres! Ai se não houvesse semelhanças e parecenças! Sempre nós, o bode expiatório de tudo quanto há de fatal no tão sinuoso reino. Dizem alguns: somos tão próximos que nem valeria a pena nos separarmos dos áridos titãs de todas as agruras do nosso egrégio másculo desígnio. Nós, os sem para quem e sem onde buscar arrimo. Nós, os sem direito a desfrutar de via boa e regalada. Nós, alguns na condição de dupla bastardia há bué de tempo.
Sentimo-nos traídos e frustrados, rebaixados ao desterro de plutónico sepulcro. Ai se fossemos distantes e ferrenhos como os outros, que nunca quiseram endossar a barganha de pusilânimes varões e mimosear ente estupor da nossa prenhe desventura! Talvez nem nos sobraria o sopro para dizer adeus. Nós, apesar de afeitos e dedicados no cultivo do chamado lastro comum… Ou será mesmo disfarçada saia de madrasta? Ah meu irmão! Empenhamo-nos tanto, tanto, na demonstração da nossa crença no fetiche de irmandade. A nossa genuína oferta nunca chegou aos poiares e radares dos hediondos camafeus e fariseus. Estrangulam- nos e desde ninho nos quiseram roubar e traficar nédios impulsos.
Nós que, outrora, arrebatados e metidos no navio, catrafilados com correntes nos pulsos e grilhões nos pés, ostracizados e proibidos de ansiar a natural respiração, sem ensejo de auspiciar a própria identidade. Por isso, desolado com a perfídia e desastrada vilania dos insipientes figurões, o nosso sapiente e cabrestante Pivô de Hespéria hasteou a vela do devir, empunhou o cetro de ingente reviravolta, clamou por cessação de hostilidades e tropelias. Depois, dormiu ao lado de um atroz bicho do mar. Ao longo da jorna foi picado e apoquentado, com ameaças e remoques pelo meio. Porém, fibroso, ao acordar, já tinha o aziago leviatã completamente dominado, debaixo do seu sovaco.
Estimulo-te, meu mano: levanta-te do abrigo e vem cantar o hino da nossa livre-decisão, com a estrosa mocidade, na Metade de Canela da capital, e comemora. O patriarca Eugénio Divo e o Lopes Nativista, ambos acérrimos videntes, projetaram a fundação do nosso amparo e legaram o ingente nobre feito aos seus esmerados e lídimos dervixes, os acionistas do principado e de toda a ática frescura do nosso alívio, Amílcar Lopes Cabral, Aristides Maria Pereira e comandita. A eira é agora ampla propriedade horizontal. Por isso, te imploro: impulsa, no íntimo de ti, ergue o facho de lume santo e dê loas às portentosas latitudes da atualidade. O monstro do passado pereceu e não faz conta. A vaga de chuva seca esvaneceu. A saraivada de Harmatão é agora humedecida brisa meiga e submissa, a contendo do cabresto da nossa saga.
Na quadra de novo introito, vieram imbeles compatrícios de múltiplas paragens ao recesso de heroicidade dos nossos impolutos ancestrais. Chegaram também dos enfermos e indubitáveis sacrilégios do nosso ser. Não se tratam de Abraão ou de Moisés, nem de Arão e de Josué, mas de círculo dos Manas, a sequência dos totens do nosso doirado túmulo de umbigo. Essência tão atormentada no então e tórrido terreiro da anciã cidade-nome e nas masmorras de Cacheu e de Gore. Ah longa seviciada trajetória! Como sopraria o imperador da língua portuguesa, na feliz aclamação de Fernando Pessoa, o denodado Padre António Vieira, que até testemunhou algum assomo de esbirro e de vilania contra o gatinhar da nossa gente, nos alvores de pária e desmazelo - «Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras».
No escabroso caso, nem obras nem palavras. Ninguém ouviu o mestre dos sete céus e sete penas do planisfério. Apesar do descaso original, neste momento, sob o signo do sol de Abílio Duarte, na Várzea de Companhia, a nossa prece vai ao alto, ao lado da bandeira da nossa luta. Existe na nossa herdade uma aura de irmandade a pairar por cima de cada açude de telhado. No centro geomântico da Pátria, o livro iluminado da passagem do testemunho, as menções honoríficas e o senso de pertença evidenciado em cada fundante canto de casa grande, com o elo de cordão umbilical a selar o patriótico dever de alar no espaço, de nítidos propósitos e sob a batuta do nosso aliado Hórus vital.
Enche de ar a tua caixa ressonante e cospe toda a tua repulsa no funil de discrepante ubiquidade. Pois, o nosso Deus de hodiernidade, de motu próprio, é muito mais esbelto e sedutor. Sê tu silente e dê uma tonitruante voz de mando aos teus coetâneos de jornada, com o fito de um total engajamento à volta dos desafios do território. Faz com que teu brado de entusiasmo seja miraculoso e corresponda a uma correlativa metamorfose. Ah meu irmão! O mundo azedo, depois de exaurido, sucumbiu no fundo de suplício. Descobriu-se torto, truncado e coxo. Ele, com desvairadas tentativas de restauro da enjoativa ordem malsã, apenas nos tem legado a horda de vampiros, o sinistro séquito de lacaios voluntários e boçais apaniguados. As suas senzalas prediletas hão de ser sempre fracassadas. Não vale a pena ludibriar-nos para nos impor a sua nauseante e caduca ancianidade.
Ousa meter-nos medo e chantagear com apoio dos seus verdugos de negrume e de burrice, com asco de sujo ecúleo de má memória. Pretende reinar pela via do oficioso, para nos ameaçar com despautério e impingir-nos a sua maléfica tenção, usando estertor de revogada brutalidade. Compra, trafica e vende alma desnutrida deste arraial, a troco de niquices e bugigangas. É caso para gritar - «Vá de retro, satanás!». Como diria o nosso gigantesco visionário - «Já é tarde demais. Vamos alevantar este lugar com as nossas próprias mãos». Sim, meu fulguroso líder sempre. Uma vez plantávamos à toa. No vento, no seco ou lamaçal de sítio alheio. Hoje, por mais que a hidra tente recauchutar as suas cabeças, para nos adulterar e macaquear, nunca sai da casca de farófias e bazófias. Irmão, tenha alta resiliência, seja um vulto de segunda milha forte. Lute por aquilo que te limpe das taras do passado e do presente. Levite a certeza deste chão à altura do tamanho de infinito. Erga o punho de hercúlea juventude e bata-se de frente contra o retorno de adstringente era rufiã. Que edulcorantes transmutações? Seja você a fazê-lo que já sou velho. Um decrépito soldado do então sonho emergente de todos nós. Não esse mundano cacarejar de todas as falácias e de impante hipocrisia, que alguns venais e trapalhões apregoam por aí. Ah, meu irmão! Uma das maiores invenções do mundo livre é a própria conceção de cosmo novo. Um orbe desenlaçado da escuridão, do fanatismo e tirania é de adorar e preservar. O seu entourage cheira bem e cheira a charme de Paris ou Nova Iorque. Acena-nos de perto, enfeitiça-nos os gestos e aguça os nossos arrojados apetites. Deslumbra e lança ares de novação na nossa esfera, com todo o seu glamour incensador. Ora essa! Que delicioso respirar na boca do mundo limpo, nos ouvidos do mundo limpo, nos umbigos do mundo limpo!? Aqui, entre nós, a par do Estado da nossa lavra, os emigrantes são émulos de brinde e arquétipos de proa, os maiores propulsores da alavanca de Arquimedes e azimutes edificantes de quase tudo que é moderno e refrescante, na nossa empresa. Sofre lá fora que se farte, torce por estes dez grãozinhos de terra – mar e mais que o residente pela faixa de bandeira da nossa herdade.
O mundo antigo desmoronou e faleceu no logro da sua perfídia. Ficou para história, com todas as suas mazelas e misérias, com todas as fragas, pragas e funestas longitudes, nas roças de Angola e São Tomé, nos arredores de Lisboa e da então Lourenço Marques. Dos vestígios do mundo azedo, com bagatelas e quinquilharias da depravada sanha imperial e desagradável nomenclatura, com trouxas e pilões de tristes regressados, a bordo de porrões abarrotados de sujidade, no seu retorno. Agora nem nígua desse período há de ficar. Hoje, não há Pidjiguiti, não há Baixa de Cassanje ou Bate -pá, muito menos a angustiante catacumba, no Tarrafal da minha ilha ou no vetusto Timor Leste doutro tempo.
«Ah Timor! Seis meses para ir e outro tanto para voltar», resmungava o velho Marcelo de Vila Nova. Agora, no regresso, não se fica à espera tão somente do acordeão, para afogar as mágoas de judiaria entre os olhos do contratado ou para cultivo de Funaná, a cargo dos gritos, Codé di Dona e Bitori di Nha Bibinha. Hoje, chegam jeeps de alta cilindrada, máquinas potentes de construção, mosaicos e azulejos de luxuosa hodiernidade e proveniência. Chega com eles as preciosas divisas de toda a ecúmena do orbe. Tudo a reboque de benéfica intenção, no instante de desembarque. Tudo com esplendor e quintessência de nova era. De dentro da ofuscada arca de aliança, de insofismável submissão, saem hoje quadros de pintura, livros de memória e joia de coroa, para a entronização do nosso estroso herói de pompa. Sai também a bússola do reino para as mãos da mocidade. Ontem passei a noite em Metade de Canela do Cabo reverdecido. Os regressados do nosso país têm espalhado glamour do mundo livre nas nossas vidas, em Palmarejo e Cidadela da capital. Com otimismo e fogos de artifício para entrar no dia 1, a cantar e a pulular no fervilhante berço nosso. Vale a pena aplaudir os incansáveis entusiastas da nossa diáspora pujante.
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