A extracção de areia, comum em diversas praias de Cabo Verde, tem causado danos ambientais e afectado a saúde de muitas mulheres, que têm tentado deixar essa vida e enveredar por um caminho mais sustentável.
Essas mulheres, movidas pelo desespero e a necessidade de sustentar as suas famílias, viam nessa actividade a única saída para sobreviver, mas no município do Tarrafal de Santiago, uma nova realidade começou a emergir, impulsionada por projectos comunitários e pelo despertar da consciência ambiental.
Durante décadas, mulheres do Tarrafal dedicaram-se à extracção de areia, uma prática que, além de ilegal, é prejudicial ao ambiente. Mesmo enfrentando dores físicas e traumas psicológicos, muitas acreditavam não haver outra forma de garantir o sustento familiar.
A escassez de areia levou essas mulheres a aventurarem-se cada vez mais fundo no mar, ignorando os impactos devastadores sobre o ecossistema, como a desorientação das tartarugas marinhas durante a desova.
Foi somente em 2019, com a chegada da Associação Atlântica Biodiversidade e Sustentabilidade, que essas mulheres começaram a vislumbrar alternativas.
Através de um projecto financiado pelo Cabildo de Gran Canaria, foram oferecidos cursos de formação em associativismo, artesanato e agricultura sustentável, permitindo que as mulheres do Tarrafal encontrassem novas fontes de rendimento.
A transformação dessas vidas ganhou visibilidade através do documentário "Mulheres de Areia", produzido pela associação canária Gran Angular. O sucesso do documentário foi fundamental para a criação da Associação de Mulheres Batalhadoras do Tarrafal, que reúne mais de 70 mulheres de várias partes do município, unidas pela vontade de deixar para trás a extracção de areia e construir um futuro mais sustentável.
Ilda Monteiro, de 50 anos, e Aleida Gomes, de 24 anos, são duas das porta-vozes dessa mudança. Aleida, que começou a extrair areia aos sete anos, lembra-se dos dias difíceis, marcados por abusos e exploração.
Ilda, com mais anos de experiência, compartilha histórias semelhantes, destacando o “alívio” de, finalmente, poder abandonar uma prática que sabia ser prejudicial ao meio ambiente.
A mais jovem recordou que as lembranças desta época são “quase todas trágicas”, pois além do cansaço, dos tropeços, do peso das cargas, as estratégias utilizadas para a extracção e carregar esta areia, os abusos por parte dos condutores que comprometiam vender e depois devolver o dinheiro era “enorme”.
Sem ser disso, conta as lidas com a Polícia Nacional, os dias em que tinha de virar à noite na extracção e a carregar ou das madrugadas em que era obrigada a levantar-se para acompanhar a mãe nesta luta diária para o ganha-pão, mesmo sabendo do mal que faziam ao ambiente.
“Éramos conscientes que, ao apanhar a areia, estávamos a desorientar principalmente as tartarugas. Muitas vezes encontramos tartarugas a desovar e, ao aproximarmo-nos, acabavam por fugir”, disse, reforçando que, quando o assunto é a procura do sustento, se perde a noção e não se dá importância aos danos.
Mas dessas dores e das lutas enfrentadas, quem conta com mais mestria é Ilda Monteiro, por ter mais idade e, consequentemente, mais anos nessa vida. Embora diga não ser diferente daquilo que a outra colega contou, o que diferencia é a idade e os anos de lida que, ao mesmo tempo, agravam as dores e as queixas.
Hoje, essas mulheres dedicam-se à produção de bijuterias sustentáveis e ao artesanato, utilizando materiais naturais e reciclados.
Embora a venda desses produtos não garanta ainda uma estabilidade financeira, a satisfação de contribuir para um Tarrafal mais limpo e para a protecção do planeta é imensa.
Além disso, várias mulheres estão envolvidas em iniciativas de agricultura sustentável e outras formas de auto-emprego.
A união e a luta por um ambiente mais saudável tornaram-se “a nova missão” dessas mulheres que, agora, procuram conscientizar outras pessoas da comunidade sobre a importância da reciclagem e da preservação do meio ambiente.
"Hoje, sinto-me feliz por deixar essa vida que tanto prejudicou a minha saúde e o ambiente", diz Ilda Monteiro, orgulhosa de trabalhar para um futuro mais sustentável para o Tarrafal e para o planeta.
A prática da apanha de areia, em particular nas praias, tem sido amplamente debatida em Cabo Verde devido aos impactos ambientais devastadores, tendo em conta que este recurso, amplamente utilizado na construção civil, é extraído de forma ilegal em muitas zonas costeiras, afectando a biodiversidade marinha e as condições ecológicas das praias.
A destruição dos ecossistemas costeiros ameaça espécies como as tartarugas marinhas, que dependem das praias para desovar, além de provocar a erosão costeira, aumentando a vulnerabilidade das áreas litorais a inundações e outros desastres naturais.
Neste sentido, o Governo cabo-verdiano, consciente dos danos ambientais, implementou várias leis para regulamentar a extracção de areia. A legislação em vigor proíbe a apanha de areia nas praias e impõe multas para quem desrespeitar essas normas.
A Lei nº 102/V/99, de 26 de Julho de 1999, regulamenta o licenciamento e a exploração de recursos minerais, incluindo a areia, com o objectivo de mitigar os impactos ambientais. Mas a fiscalização ainda enfrenta desafios, especialmente em áreas rurais, onde muitas famílias continuam a ver na apanha de areia uma forma de subsistência.
A promoção de práticas de agricultura sustentável e artesanato como fontes alternativas de rendimento para as famílias envolvidas na apanha de areia são exemplos de algumas medidas que o Governo tem implementado, mas também a sensibilização ambiental tem sido uma medida-chave nesse processo.
Além disso, as autoridades têm reforçado a fiscalização e promovido o uso de materiais de construção sustentáveis, como o uso de cascalho em substituição à areia retirada ilegalmente das praias.
Esta reportagem foi originalmente produzida para a Inforpress, no âmbito do projecto Terra África, implementado pela CFI – Agência Francesa de Desenvolvimento dos Media.
A Semana com Inforpress
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