A prevenção, no entanto, não dispensa a firmeza. Cabo Verde mantém-se numa posição geoestratégica sensível, e a Polícia Nacional continua a lidar com fenómenos como tráfico internacional de drogas, delitos transfronteiriços e riscos emergentes de criminalidade organizada. A prevenção e o combate caminham juntos, mas a arte está em saber qual deve prevalecer em cada circunstância.
PorJosé Mendonça Monteiro*
Novembro volta todos os anos com a sua brisa de recordações institucionais, e com ele regressa também um simbolismo que atravessa a história recente de Cabo Verde: o aniversário da Polícia Nacional, cujas raízes se aprofundam muito para além das datas formais. Este é o mês em que o país se lembra de um corpo uniformizado de azul cor de serenidade e vigilância que representa, ao mesmo tempo, o rigor da lei e a esperança de convivência pacífica. Há símbolos que não se gastam com o tempo; o azul da farda policial é um deles.
A PN, criada no contexto das transformações pós-independência, assumiu desde cedo a missão de estabilizar o jovem Estado cabo-verdiano. Consolidou-se como o pilar visível da segurança pública, enfrentando sucessivas metamorfoses sociais, tecnológicas e comunitárias. Mas novembro, mais do que celebrar o passado, lembra ao país que o futuro da segurança depende cada vez mais da capacidade de equilibrar firmeza institucional com sensibilidade social.
Prevenção
Durante anos, o paradigma dominante da segurança pública assentou na resposta imediata ao crime. Hoje, porém, a PN reencontra na prevenção, um caminho mais sustentável. Prevenir significa mapear riscos, dialogar com comunidades, antecipar conflitos e, sobretudo, entender que a segurança é construída antes do delito, não depois.
O Plano Operacional 2025 da PN evidencia esta intenção ao apostar em ações que evitam a escalada da criminalidade. Os programas de reforço policial em períodos de pico como o “Verão Seguro” ou iniciativas como o “Escola Segura” mostram que prevenir não é apenas vigiar; é proteger ambientes, orientar comportamentos e reduzir vulnerabilidades sociais.
A prevenção, no entanto, não dispensa a firmeza. Cabo Verde mantém-se numa posição geoestratégica sensível, e a Polícia Nacional continua a lidar com fenómenos como tráfico internacional de drogas, delitos transfronteiriços e riscos emergentes de criminalidade organizada. A prevenção e o combate caminham juntos, mas a arte está em saber qual deve prevalecer em cada circunstância.
O Policiamento de Aproximidade: Quando o Azul se Torna Presença Humana
Nos últimos anos, talvez nenhuma expressão tenha ganado tanta relevância no vocabulário policial quanto Policiamento de Aproximidade. Trata-se de uma filosofia que rompe com a imagem da polícia distante, burocratizada e exclusivamente reativa. A proximidade pressupõe diálogo, confiança, cooperação e leitura fina dos sinais sociais.Exige mais do que presença física; exige presença humana.
Entretanto, implementar esse modelo num país de recursos limitados não deixa de ser um desafio. As comunidades exigem maior presença policial, mas a rotatividade de efetivos, a sobrecarga operacional e a resistência cultural dificultam a consolidação de laços de confiança. A proximidade precisa de tempo, continuidade e agentes fixos nos bairros. Não se constrói confiança com passagens rápidas: constrói-se com constância,escuta e reconhecimento mútuo.
Para apoiar neste modelo, a polícia moderna deverá incorpor metodologias de análise como o Modelo POP, sustentado pela matriz SARA (Scanning, Analysis, Response e Assessment). São ferramentas que permitem ler o território, identificar problemas, agir com foco e avaliar resultados. A polícia moderna deixou de ser apenas executora de ordens; tornou-se analista social.
Homens Certos nos lugares certos, até que se prove ocontrário(?)
A recente nomeação de novo Diretor Nacional e a reestruturação organizacional que instalou novos Diretores Nacionais Adjuntos e redesenhou a arquitetura interna da instituição demonstra um esforço de atualização e racionalidade administrativa. A frase dita na cerimónia de tomada de posse do novo Diretor Nacional e das esperança internas: “A realização profissional continua a ser a melhor via para o desempenho organizacional” embora simples, contém uma verdade essencial: nenhuma polícia se fortalece sem quadros motivados, valorizados e tecnicamente preparados.
A escolha de líderes capazes, conhecedores da cultura institucional e atentos às exigências sociais, reforça o compromisso com uma polícia mais moderna, mais próxima e mais eficiente. As reformas não eliminam todos os desafios, mas mostram uma direção clara: gestão profissionalizada, meritocracia possível e visão estratégica.
Entre a Confiança e a Legitimidade
A legitimidade da Polícia Nacional não nasce apenas da lei. Nasce, sobretudo, da forma como a população sente a polícia. O medo, a distância, a desconfiança e as memórias de tensões históricas criam barreiras que nenhum decreto elimina. Por isso, a proximidade é não apenas uma estratégia operacional, mas uma necessidade democrática.
A construção da confiança passa por gestos simples: presença constante nos bairros, diálogo com lideranças comunitárias, mediação de pequenos conflitos e atuação proporcional. No fundo, trata-se de criar a percepção de que a polícia não chega apenas quando tudo corre mal, mas que está presente para evitar que as coisas corram mal.
Novembro Azul: Um Símbolo de Continuidade
Assim, quando novembro regressa e o país recorda o nascimento institucional da PN, o azul das fardas ganha novos significados. Não é apenas a cor do uniforme; é a cor da prevenção, da calma, da presença protetora e do compromisso público.
É também a cor das expectativas: de uma polícia capaz de agir com firmeza quando necessário, mas suficientemente preparada para dialogar quando possível. Opoliciamento contemporâneo exige esta dualidade, quase sempre difícil, mas inevitável.
Um Futuro que Depende de Todos
A segurança não é tarefa isolada da Polícia Nacional. A polícia é parte da sociedade como lembrava Robert Peel, a eficácia depende tanto da atuação policial quanto da participação comunitária. A PN pode modernizar-se, formar agentes, reforçar a prevenção e aperfeiçoar o policiamento de proximidade; mas sem a confiança das comunidades, todo o esforço terá alcance limitado.
O futuro da segurança pública cabo-verdiana, portanto, não se decide apenas nos gabinetes, nos planos operacionais ou nas estruturas hierárquicas. Decide-se no contacto diário entre agentes e cidadãos, no respeito mútuo e na capacidade de ambos compreenderem que segurança não é ausência de crime, mas presença de confiança.
Novembro volta e com ele a oportunidade de renovar este pacto. De lembrar que o azul, mais do que cor, é compromisso. De reafirmar que prevenção e proximidade não são meras estratégias, mas caminhos para fortalecer uma sociedade que deseja viver em paz, com ordem e com dignidade.
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*Licenciado em Direito; Técnico de Segurança Pública; Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal militar; Contacto: 9257823;E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.








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