O historiador cabo-verdiano Jairzinho Lopes Pereira considerou nesta quinta feira, que há uma “mudança muito grande” no tratamento de questões sobre a raça e a escravatura nos manuais escolares do país e já há “mais interesse” em temas africanos.
“Aqui, em Cabo Verde, houve uma mudança muito grande nos últimos 20, 25 anos. Os manuais que os meus pais ou os meus tios utilizaram para estudar já não têm nada a ver com os manuais que hoje usamos”, referiu o historiador, em declarações à Lusa, na cidade da Praia.
O académico notou diferenças nas questões identitária e cultural e na própria representação do homem cabo-verdiano, em aspetos como a cor de pele ou a cor do cabelo.
“Já não temos meninos branquinhos, loiros, de olhos azuis, mas já vamos tendo meninos escuros, meninos de cabelos crespos”, completou o historiador, à margem de uma conferência internacional sobre discursos de raça e escravatura nos impérios coloniais europeus, que termina sexta-feira na capital cabo-verdiana, em que o assunto esteve em discussão, abordando ainda as realidades de Portugal e de Moçambique.
São mudanças, que, segundo disse, refletem-se “diretamente nos manuais escolares”, mas entendeu que há outras fontes, outros estudos e outras dinâmicas sociogeopolíticas que condicionam ou que determinam essas alterações a nível dos manuais escolares no país.
O historiador deu como exemplo a questão dos curriculos e dos conteúdos, recordando que, quando estudou na escola primária e secundária, nunca ouviu falar dos impérios africanos e das grandes questões da história do continente.
“Hoje, já há, cada vez mais, esse interesse na introdução de temas africanos nos manuais. Não o suficiente, ainda. Temos ainda um percurso a fazer”, considerou, avisando que não defende manuais escolares centrados apenas na questão africana.
“Temos de ter uma visão mais cosmopolita, mas África tem de estar presente. Eu acho que esta consciência tende a crescer a nível do continente”, completou Jairzinho Pereira, coordenador científico da conferência, evento com o objetivo de perceber os desenvolvimentos nas abordagens histórica e ideológica sobre a escravatura e a raça entre os séculos XV e XX.
O evento conta com cerca de 30 conferencistas e académicos de várias áreas científicas e domínios de estudo, como história, direito, arqueologia, antropologia, sociologia e filosofia.
A ideia, prosseguiu o coordenador científico, é dar uma “dimensão mais holística” e “perceber muitas questões contemporâneas à luz do desenvolvimento de fenómenos, de processos e de eventos históricos”.
A conferência é organizada pelo Instituto da Biblioteca Nacional de Cabo Verde, pela Universidade de Santiago, pelo Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, pelo Instituto de Estudos Filosóficos da Universidade de Coimbra, pela Universidade de Cabo Verde e pela Escola Universitária Católica de Cabo Verde.
Na abertura, a historiadora cabo-verdiana Matilde Mendonça dos Santos foi oficialmente admitida como académica correspondente da Academia Portuguesa da História, na qual, há um ano, Jairzinho Pereira se tornou no primeiro cabo-verdiano a ser admitido.
A Semana com Lusa
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