Caso em torno do desaparecido Fabrício Queiroz, motorista de Flávio, filho mais velho do presidente eleito e amigo de longa data do próprio Jair, gera mais perguntas do que respostas. A suspeita é de mensalinho. Os visados negam, segundo a imprensa local.
"Cadê o Queiroz?" A pergunta que percorre o Brasil, seja em conversas de botequim ou em forma de #hashtag nas redes sociais, ameaça turvar a posse de Jair Bolsonaro no dia 1. Fabrício Queiroz é, segundo o Jornal Noticias-pt, motorista, segurança e assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, filho mais velho do futuro presidente, apanhado pelo COAF, órgão de controlo financeiro, a movimentar quantias suspeitas de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Convocado para dar explicações ao Ministério Público na última quarta-feira, alegou doença súbita para faltar. Na sexta-feira, repetiu o expediente. E a cada minuto em que está desaparecido aumenta o tamanho do coafgate ou bolsogate, como vem sendo chamado o escândalo pela imprensa brasileira.
O bolsogate começou, no dia 6, quando o jornal O Estado de S. Paulo divulgou um relatório em que o COAF, a pretexto da Operação Furna da Onça, subsidiária da Lava-Jato que prendeu dez deputados estaduais do Rio de Janeiro por corrupção, encontrou movimentações bancárias "atípicas" na conta de Queiroz, membro do gabinete de Flávio Bolsonaro, até este ano parlamentar estadual. Segundo o jornal, Queiroz, que é amigo de Jair Bolsonaro e por extensão da sua família há mais de 30 anos, movimentou 1,2 milhões de reais no período de um ano, valor considerado suspeito dado o seu nível de rendimento. Mais: uma das destinatárias do dinheiro - um cheque de 24 mil reais - foi Michelle Bolsonaro, a futura primeira-dama.
Segundo o COAF citado pelo JN-PT, os depósitos na conta de Queiroz coincidem com as datas de pagamento dos salários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. De acordo com o documento, nove outros assessores de Flávio Bolsonaro transferiram dinheiro para a conta do motorista e segurança.
Uma semana depois, uma reportagem da TV Globo revelou que um desses assessores, Wellington Sérvulo, passou 248 dias, a maior parte do tempo em que supostamente deveria ter trabalhado na Assembleia Legislativa do Rio, a morar em Portugal. Entre os outros assessores que depositaram dinheiro na conta de Queiroz constam, entretanto, a sua mulher Márcia e as suas filhas Evelyn e Nathalia. Nathalia Queiroz é personal trainer, profissão que aparenta desempenhar a tempo inteiro, a julgar pelas frequentes fotografias partilhadas nas redes sociais com atrizes suas clientes.
A suspeita é de que os assessores de Flávio Bolsonaro transferissem parte dos salários para Fabrício Queiroz, que depois os entregaria ao próprio deputado, entretanto eleito senador. A edição brasileira do jornal El País revelou que essa prática, conhecida no Brasil como "pedágio [portagem]" ou "mensalinho", é mais comum do que se pensa. Na prática, funciona assim: um profissional é nomeado assessor por um deputado e no dia do pagamento transfere parte do ordenado para o parlamentar ou para alguém da confiança deste. O político engorda o seu vencimento e os assessores, como já exercem outra profissão, acabam por ganhar um extra sem precisar de trabalhar.
Lembra o jornal que a prática já levou à suspensão do mandato de um vereador no Mato Grosso, à investigação de seis vereadores e depois deputados em São Paulo e a uma sanção pública a um parlamentar no Rio Grande do Norte, condenado a devolver o dinheiro ao estado.
Acresce que durante a campanha eleitoral o próprio Jair Bolsonaro foi confrontado com a situação da sua secretária parlamentar Walderice da Conceição, descoberta pelo jornal Folha de S. Paulo a vender fruta em Mambucaba, cidade no litoral do Rio a 1200 quilómetros do gabinete do então deputado em Brasília, onde era suposto trabalhar. E o vereador carioca Carlos Bolsonaro, segundo filho do capitão reformado, tem entre os seus assessores Tercio Tomaz, que, conta O Globo, coordena páginas de apoio ao futuro presidente e jamais foi visto no Rio, onde recebe salário.
Flávio Bolsonaro negou a prática de tal sistema de pedágio ou mensalinho, revelou-se "angustiado" com a situação e remeteu quaisquer explicações para Queiroz. No entanto, como o seu assessor não apareceu nas duas vezes em que foi chamado a justificar-se, o Ministério Público intimou o próprio Flávio a comparecer. No dia 10 de janeiro.
Jair Bolsonaro disse que o depósito em cheque na conta da sua mulher lhe era destinado como pagamento de uma dívida pessoal de Queiroz. "Não botei na minha conta porque tenho dificuldades para ir a bancos, andar na rua." Noutra ocasião, afirmou-se à disposição para esclarecimentos: "Caso algo esteja errado, seja comigo, com o meu filho ou com o Queiroz, que paguemos a conta deste erro."
O vice-presidente eleito Hamilton Mourão entretanto afirmou que "o ex-motorista precisa dizer de onde saiu este dinheiro". "O COAF rastreia tudo, alguma coisa tem, precisa de explicar essa transação."
O ex-juiz Sergio Moro, a quem enquanto ministro da Justiça competirá a tutela do COAF a partir de janeiro, recusou-se num primeiro momento a comentar. Depois disse que cabe aos citados no relatório prestarem esclarecimentos: "Eu não tenho como ficar assumindo esse papel.", cita JN-PT.
Terms & Conditions
Subscribe
Report
My comments