Um dos 250 professores cabo-verdianos sem salário há dois meses, por alegadas questões burocráticas, disse à Lusa que as dificuldades económicas obrigaram-no a alterar a alimentação e a adiar um tratamento médico.
«A situação acontece três meses depois de a maioria dos professores de Cabo Verde aderir a uma greve de dois dias, do primeiro ao 12.º ano de escolaridade, por falta de acordo com o Governo sobre reajustes salarial e outros pontos laborais».
"Estou há uma semana com dor de dentes e quero marcar uma consulta, mas não tenho condições. Não há cobertura do Instituto Nacional da Previdência Social [INPS], por isso, nem tenho condições para cuidar da minha saúde", contou o docente, que pediu o anonimato, com receio de represálias.
Na hora de fazer as refeições, a situação levou-o “a comer ovos em vez de carne”, mas há quem esteja pior, assegura.
"Mesmo que queiramos ter uma refeição três vezes por dia, não dá. Há colegas que estão a fazer empréstimos para poder comer todos os dias", referiu.
No seu caso, "queria estar a comer carne ou um bom peixe com arroz", mas tem de optar por um ovo ou um hambúrguer, que é mais barato, para gerir da melhor maneira o dinheiro poupado desde o ano anterior.
O docente dá aulas afastado da zona de residência, onde tem uma mulher e uma filha, e diz que a "situação difícil” em que se encontra, no arranque da carreira, o deixa “sem motivação para trabalhar".
“Continuo esperando até o final do mês”, conta, reconhecendo que “não dá para continuar nessa situação".
"Se não se resolver, tenho de procurar outro emprego", lamentou.
Outra colega que está na mesma situação disse à Lusa que "está a tentar sobreviver”, suportando despesas extra (renda de casa, água e eletricidade) como professor deslocado para fora da ilha de residência.
A professora descreve a situação como desanimadora, passando por "dias muito tristes", sozinha, numa ilha estranha, pedindo igualmente para não ser identificada, com receio de represálias sobre a sua já frágil situação.
"Tenho que estar preparada emocionalmente e fisicamente para continuar", referiu, indicando que está a pagar todas as despesas, fazendo esticar os salários de setembro a novembro.
Relatos de dificuldades de docentes como estes multiplicam-se, diz Jorge Cardoso, presidente do Sindicato Nacional dos Professores (Sindep) de Cabo Verde, que na terça-feira denunciou a situação.
Cerca de 250 professores cabo-verdianos estão sem salário, há dois meses, a maioria deslocados, em ilhas afastadas das zonas de residência.
Segundo o sindicalista, o Ministério da Educação justificou-se, referindo que o pagamento de salário após os três meses iniciais (setembro, outubro e novembro) carece de visto do Tribunal de Contas, que ainda não foi atribuído.
Contactado pela Lusa, o presidente do Tribunal de Contas, João da Cruz Silva, referiu que a instituição não recebeu nenhum processo de contrato de trabalho dos professores para a obtenção do respetivo visto.
"Não sei se o processo está no Ministério da Educação ou na Direção Nacional da Administração Pública. A verdade é que ainda não chegou ao Tribunal de Contas. Pelo menos nos últimos dias nós não recebemos nenhum processo do Ministério da Educação, de modo que não podemos pronunciar sobre isso", afirmou.
A Lusa tentou obter esclarecimentos junto do Ministério da Educação, mas não obteve respostas.
A situação acontece três meses depois de a maioria dos professores de Cabo Verde aderir a uma greve de dois dias, do primeiro ao 12.º ano de escolaridade, por falta de acordo com o Governo sobre reajustes salarial e outros pontos laborais.
A Semana com Lusa
10 de fevereiro 2024
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