Nos primeiros dias de agosto, um grupo de reconhecimento de soldados russos atravessou a fronteira de Kursk, na Rússia, para a província de Sumy, na Ucrânia. Assim que entraram em território ucraniano, foram detetados e atacados pelo exército ucraniano. Ninguém sobreviveu para compreender o que se estava a passar, mas os militares russos tinham acabado de esbarrar numa força militar ucraniana que se preparava para invadir a Rússia. Quatro dias depois, na manhã de terça-feira, a Ucrânia lançou uma ofensiva relâmpago em território russo, capturando dezenas de soldados russos e deixando um rasto de destruição no coração do território inimigo.
“As forças armadas russas foram completamente apanhadas de surpresa. Não estavam a contar ser atacadas em Kursk. Esta operação ucraniana estava muito bem planeada e foi bem preparada. O ataque foi coordenado e as tropas ucranianas fazem-se acompanhar de sistemas antiaéreos. A Ucrânia já abateu, pelo menos, dois helicópteros, um Ka-52 e um Mi-8. A ação de drones é intensa”, explica o major-general Agostinho Costa.
A fronteira russa, defendida de forma dispersa por um misto de unidades de serviços de fronteiras, unidades do Serviço Federal de Segurança (FSB) e por militares russos, não estava pronta para a velocidade da operação ucraniana. Em poucas horas, carros blindados ucranianos fintavam as localidades de Korenevo e Sudzha e empurravam a linha da frente para mais de 10 quilómetros no interior do território russo, perto de um dos principais centros de transmissão de gás natural russo.
Mas o propósito por detrás do ataque permanece um mistério. Vários analistas têm questionado a pertinência destes ataques, numa altura em que a falta de militares no leste do país tem vindo a fazer com que a Rússia tenha conseguido ganhar território a um ritmo que não era visto desde o primeiro ano da guerra. A situação é particularmente complicada nos setores de Pokrovsk e de Chasiv Yar.
“Analisando o plano táctico, esta operação é um sucesso. Mas se olharmos para esta guerra como um todo, não me parece boa altura tendo em conta o que se passa no Donbass. A zona mais crítica é Pokrovsk, que é o centro logístico do Donbass e que pode provocar o colapso da frente”, considera Agostinho Costa.
Na última semana, o exército russo avançou 15 quilómetros na região de Pokrovsk e nos arredores de Toretsk. Ao mesmo tempo, soldados russos ocuparam algumas partes do leste da cidade de Chasiv Yar, uma cidade que ocupa uma região geograficamente favorável e que é vista como a principal defesa da região do Donbass, depois da queda de Bakhmut e de Advdiivka. A queda destas cidades colocaria os bastiões de Kostyantynivka, Druzhkivka, Kramatorsk e Slovyansk na linha da frente.
A situação deve-se a uma combinação mortífera de fatores. Devido à dificuldade da liderança política em encontrar um consenso para aprovar uma nova lei de mobilização, várias unidades das forças armadas ucranianas estão a relatar uma severa falta de soldados. O documento, aprovado em abril, promete resolver estes problemas, mas os seus efeitos só devem ser sentidos no final deste verão. Além disso, a liderança militar não foi capaz de fortificar o terreno à velocidade necessária e as unidades militares na linha da frente estão a ressentir-se.
Mas para saber qual o intuito do ataque é preciso perceber qual a dimensão do mesmo. A Rússia mobilizou 30 mil militares para a operação em Kharkiv, que teve como objetivo obrigar a Ucrânia a desviar recursos da frente de batalha para estancar os avanços de Moscovo nos arredores da sua segunda maior cidade. Para já, pouco se sabe quanto à dimensão do ataque em Kursk e ao número de unidades utilizadas. Sabe-se apenas que a 22.ª brigada mecanizada está envolvida, embora não seja claro que esta esteja a utilizar todas as suas unidades.
Para os especialistas, os próximos dias serão cruciais para perceber as verdadeiras intenções de Kiev. A Ucrânia pode reforçar as ações ofensivas na região e obrigar a Rússia a deslocar mais unidades de outras partes da frente de batalha para recuperar esta região, mas também pode utilizar esta ofensiva como ação para distrair as forças armadas russas para a verdadeira ofensiva, focada noutro ponto da frente.
“Os indicadores falam de que isto é apenas o primeiro nível da ofensiva ucraniana. É provável que a Ucrânia reitere esforços. Não é expectável que a Ucrânia faça uma ofensiva na Rússia para capturar território russo, parece-me que há vontade de desequilibrar o dispositivo russo. Mas pode também ser um ataque de apoio a uma outra ofensiva que ainda estamos para ver”, alerta Agostinho Costa.
A Semana com CNN Portugal
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