quinta-feira, 06 fevereiro 2025

REPORTAGEM: Maestro das ‘hiaces’ sabe o destino de toda a gente na capital de Cabo Verde

Votos do utilizador: 5 / 5

Estrela ativaEstrela ativaEstrela ativaEstrela ativaEstrela ativa
 

Rozângela Ferreira corre pelo centro da Praia, capital de Cabo Verde, com sacos de compras nas mãos para apanhar um transporte coletivo que a leve a casa.

 

 

"Se os polícias deixassem, eu não trocava este trabalho por nenhum outro", lamenta, queixando-se da precariedade laboral: desempenha um trabalho informal, sem regulação legal e que pode violar as leis de transporte público, por gerar aglomerações, dificultar o controlo de trânsito e suscitar queixas de concorrência desleal para os transportes formais.

 

São 16:30 (17:30 em Lisboa) de um dia de semana e, como ela, há centenas na mesma correria.Por entre o alvoroço, uma pessoa parece pôr ordem na confusão e fazer a correspondência certa entre cada pessoa e o seu ‘hiace’ - nome dado aos veículos de transporte coletivo, por serem todos do mesmo modelo japonês.

"Mal chego à passadeira, vejo-o e já sei que há transporte para casa. Às vezes, atraso-me, mas ele está sempre presente e nos horários mais complicados facilita a vida de todos", diz Rozângela, grata pela ajuda, mas sem saber o nome daquele que tantos ajuda.

Neisa Cabral, vendedora de sopa, há dois anos, é testemunha: observa a correria diária de quem só agarra transporte com a ajuda do rapaz, que não para quieto - mas cujo nome também não sabe.

"Quando ele não está, as pessoas perguntam-me se eu não vi nenhuma ‘hiace’ por aqui”, porque ficam desorientadas, descreve a vendedora.

Quando ele falta, todos gostariam de gritar o nome dele, Leidimir Almeida, 32 anos, a força invisível que já decorou o transporte, horários e destino de centenas de pessoas na capital cabo-verdiana. 

"Tudo começou quando perdi os meus pais, com 9 anos. Fui criado pelas minhas avós e tias, mas elas também faleceram e tive de vender Tipol [detergente] e meias, nas ruas, para sobreviver", conta à Lusa.

Ainda lavou carros e, nessa altura, com 15 anos, começou a lotar ‘hiaces’, uma ajuda prestada no meio da rua, mas que se tornou numa atividade séria.

"Este é o trabalho que me permite cuidar da minha filha", com 5 anos, a frequentar uma creche, diz.

Antes, levava-a para o trabalho, desde bebé, deixando-a “num caixote, deitada, enquanto lavava os carros”.

Quando ela acordava, punha-a às costas e continuava a trabalhar", relata, comovido.

Leidimir dá graças à rede de confiança que construiu com passageiros e condutores, tornando-se numa figura familiar na paragem mais movimentada do bairro da Fazenda.

Nas horas de ponta está sempre de olhos atentos, a ver quem atravessa a passadeira e quais os transportes disponíveis.

Sempre de braços levantados, trajado de preto e com um sorriso, repete várias vezes: "vais? Anda, o ‘hiace’ já está quase cheio".

Alfa Embaló, natural da Guiné-Bissau, é condutor de ‘hiace’ há 22 anos e lembra-se de andar de um lado para o outro, impaciente, preocupado por não conseguir encher o seu veículo, parado há duas horas, num dos dias em que Leidimir faltou.

"Quando ele está cá, enchemos rápido. Hoje ele não apareceu e está a fazer falta. Se ele estivesse aqui, eu já teria ido e talvez regressado", lamenta, quase zangado com a demora e o dinheiro que está a perder.

Por cada ‘hiace’ que conseguir encher, Leidimir ganha 50 escudos (0,45 cêntimos de euro) e costuma chegar ao fim do dia com a 1.000 a 2.000 escudos (nove a 18 euros) – ou seja, graças a ele há 10 a 20 veículos cheios, diariamente.

"Se os polícias deixassem, eu não trocava este trabalho por nenhum outro", lamenta, queixando-se da precariedade laboral: desempenha um trabalho informal, sem regulação legal e que pode violar as leis de transporte público, por gerar aglomerações, dificultar o controlo de trânsito e suscitar queixas de concorrência desleal para os transportes formais.

Por enquanto, tem havido um equilíbrio entre as regras e o que Leidimir consegue fazer, uma luta diária na companhia de passageiros e condutores, a pensar na filha e em realizar o seu "único sonho": construir casa própria.

A Semana com Lusa

120 Characters left


Colunistas

Opiniões e Feedback

Elisa Bettencourt
5 days 16 hours

uma jovem que não tinha necessidade de frete politico, mas pronto é essa a geração que só sabe andar de boleia de camelo

Lucas Rincon
7 days 12 hours

Há muito tempo que os técnicos recomendaram "vestir" esses troços perigosos com redes metálicas.

Dje d Soncent
19 days 8 hours

Mulheres no poder

Pub-reportagem

publireport

Rua Vila do Maio, Palmarejo Praia
Email: asemana.cv@gmail.com
asemanacv.comercial@gmail.com
Telefones: +238 3533944 / 9727634/ 993 28 23
Contacte - nos