O líder do Grupo de Peritos em Cibersegurança da União Africana disse à Lusa que o potencial de uso da Inteligência Artificial (IA) em África “está em sério risco de descarrilar, e quem o fará descarrilar são os governos africanos, por medo”.
“Como em muitas outras coisas, há um grande potencial para a utilização da IA em África. No entanto, esse potencial está em sério risco de descarrilar. E as pessoas que o farão descarrilar são os governos africanos, por medo”, afirmou em declarações à Lusa a partir de Abuja, a capital nigeriana, Abdul-Hakeem Ajijola, presidente do Grupo de Peritos da União Africana (UA) que desenhou a Convenção de Malabo sobre o uso ético da IA no continente.
“Quando surge uma nova tecnologia, a primeira tendência de muitos dos nossos líderes é proibi-la, pará-la ou restringi-la. Ainda temos países em todo o continente e, de facto, em todo o mundo, onde a Internet é regularmente desligada”, acrescentou o especialista nigeriano em cibersegurança, comissário da Comissão Mundial para a Estabilidade do Ciberespaço (GCSC) e membro do gabinete das Nações Unidas para os Assuntos de Desarmamento (UNODA), entre outras funções em várias organizações multilaterais.
Segundo o especialista, “tudo isto se deve ao medo e não se trata de segurança nacional, mas sim da segurança dos regimes, da segurança dos detentores do poder, não da segurança dos sistemas ou do bem-estar do sistema”.
Abdul-Hakeem Ajijola começou a trabalhar há 14 anos com a União Africana (UA) num quadro regulatório para a utilização da IA em África, que haveria de ser adotado pela Assembleia da organização pan-africana em Malabo em 2014, mas apenas com a assinatura da Mauritânia, em maio do ano passado, atingiu o número mínimo de países signatários – 15 em 55 estados-membros da UA, entrando em vigor no mês seguinte.
Entre os países africanos lusófonos, assinaram mas ainda não ratificaram a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
“Foi uma longa jornada e ainda estamos a percorrê-la, porque, apesar de 15 países terem aderido à Convenção de Malabo, precisamos de um número muito mais elevado”, afirmou Ajijola.
Por outro lado, “agora que foi aceite por um número mínimo de países, a primeira coisa que tem de acontecer é ser atualizada”, acrescentou o líder do grupo de peritos que preparou o documento, porque “muita tecnologia mudou e, sem dúvida, muito do pensamento em África - e em todo o mundo – mudou”.
“É necessário proceder a uma revisão urgente”, para o que “é preciso que a UA crie um grupo de trabalho ou uma entidade encarregada de fazer avançar o projeto e resolver problemas de implementação, criando as parcerias necessárias”, disse.
Mas caberá sempre aos Estados a responsabilidade de modificarem um texto, que “é recuperável, não é obsoleto no sentido em que o continente terá de começar de novo, mas que, claramente, tem algumas coisas que precisam de ser atualizadas”, sublinhou Abdul-Hakeem Ajijola.
A Convenção de Malabo é um texto “abrangente”, na expressão de Ajijola, que “não inclui diretamente” as diretrizes e princípios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) sobre a utilização ética da IA, porque não entra nos pormenores adotados pelo documento daquele gabinete das Nações Unidas em 2021, “mas permite esse tipo de evolução”, segundo o especialista nigeriano.
O quadro de diretrizes da UNESCO relativamente à utilização ética da IA assenta nos princípios gerais do respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da dignidade humana; na convivência da humanidade em sociedades pacíficas, justas e interligadas; na promoção do ambiente e ecossistemas saudáveis e na garantia do respeito pela diversidade e inclusão.
O próprio continente, sublinhou Ajijola, “publicou algumas diretrizes e princípios sobre a IA e pode aceitar algumas das diretrizes éticas da UNESCO”. Essa “seria mesmo uma das áreas de interesse” da revisão da Convenção de Malabo, apontou o especialista.
Sobre a questão da IA e da sua regulamentação, fez uma analogia: “é como o sal na sopa. Se pusermos demasiado sal, a sopa deixa de ser comestível. E se não pusermos sal suficiente, fica intragável”.
“Embora precisemos de regulamentação para a IA e para muitas das novas tecnologias emergentes, temos de evitar ser demasiado rigorosos, trata-se de alcançar a combinação ideal de regulamentação”, acrescentou Ajijola.
“Enquanto africanos, precisamos de desenvolver a nossa própria filosofia, princípios e ética para a IA”, e “abordar proativamente os desafios de moldar a sua governação”, porque “o seu potencial para o desenvolvimento inclusivo e sustentável do continente é imenso”, disse ainda.
“É muito importante, não só no domínio militar, mas em todo o lado, que África se envolva no diálogo necessário para definir os seus princípios, ética e filosofia, enraizados nas suas próprias culturas e não baseados nos interesses dos vendedores de tecnologia. Só então poderemos realmente aproveitar o poder da IA sem preconceitos, tanto para aplicações civis, como militares”, sustentou Abdul-Hakeem Ajijola.
A Semana com Lusa
18 de Março de 2024
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