Criptomoedas são ativos digitais criados com base em criptografia e blockchain, conceitos que muitos repetem sem saber definir. Surgiram com o Bitcoin em 2009, pela mão (ou teclado) de Satoshi Nakamoto, e desde então multiplicam-se:Bitcoin, Ethereum, Ripple, Solana, Cardano, memecoins como Dogecoin e Shiba Inu, stablecoins como Tether, tokens de utilidade, de governança… e, claro, as versões tropicais e milagrosas: OptCoin, WS Tokens e outras revelações financeiras que aparecem com o entusiasmo de uma romaria.
(Ou como Cabo Verde descobriu a espiritualidade financeira das criptomoedas)
Há quem diga que o progresso tecnológico chegou definitivamente a Cabo Verde no dia em que alguém, numa ribeira qualquer, convenceu meia aldeia de que clicar num botão verde transformaria 10 euros em 10.000. Dizem até que houve gente que nunca acreditou em milagres, mas que agora acredita piamente em plataformas com nomes estrangeiros, certificados em PDF e promessas de lucros diários. Afinal, se está na internet, deve ser verdade.
*José Mendonça Monteiro
A alma das criptomoedas (e a fé de quem investe antes de entender)
Criptomoedas são ativos digitais criados com base em criptografia e blockchain, conceitos que muitos repetem sem saber definir. Surgiram com o Bitcoin em 2009, pela mão (ou teclado) de Satoshi Nakamoto, e desde então multiplicam-se:
Bitcoin, Ethereum, Ripple, Solana, Cardano, memecoins como Dogecoin e Shiba Inu, stablecoins como Tether, tokens de utilidade, de governança… e, claro, as versões tropicais e milagrosas: OptCoin, WS Tokens e outras revelações financeiras que aparecem com o entusiasmo de uma romaria.
A promessa era descentralização, inclusão e inovação. A realidade, porém, mistura risco, especulação e fé, uma fé tão intensa que ganhou até nome contemporâneo: espiritualidade financeira, onde o fiel não acende velas, mas recarrega saldo e vê vídeos motivacionais.
O caso OPT Coin e o “certificado místico” da WS
A OptCoin apareceu proclamando modernidade. Depois surgiu a Plataforma WS – Shared Wealth, com um suposto “certificado internacional” que a autorizaria a operar durante dez anos. O documento circula em apresentações, raramente em sites oficiais, e sempre em PDF, o que, para muitos crentes digitais, equivale a uma escritura sagrada.
Quando o país inteiro virou investidor digital
A adesão cabo-verdiana foi digna de tese sociológica.
Jovens investiram porque “está a pagar bem”.
Idosos investiram porque “o vizinho ganhou 5 euros ontem”.
Empresários respeitados, figuras públicas, trabalhadores, emigrantes… todos entraram. Das ilhas às ribeiras, do litoral ao interior, Cabo Verde viveu um fenómeno raro: a democratização da ilusão.
Este entusiasmo revela duas verdades incômodas:
— mesmo os mais esclarecidos têm pouca literacia financeira;
— e quando o assunto é “dinheiro fácil”, o país inteiro vira otimista.
O Banco de Cabo Verde: avisou, mas ninguém ouviu
O BCV já avisou que criptomoedas não são moeda legal, que tais plataformas não são reguladas, e que tudo corre por conta e risco do investidor. Mas o cabo-verdiano, sempre resiliente, só lê comunicados do BCV quando já está a preencher queixa na polícia.
A era da literacia tecnológica (que ainda não chegou)
A verdade é simples: sem literacia digital e financeira, qualquer promessa parece boa, qualquer plataforma parece séria, e qualquer certificado em PDF parece oficial. Por isso, o país precisa investir não só em escolas e estradas, mas também em educação financeira, para que as pessoas saibam distinguir investimento de aposta, e aposta de golpe.
A doutrina do dinheiro fácil
A velocidade com que estes negócios se espalham criou um novo sistema de crenças. É a teologia do ganho rápido, onde todos esperam um milagre e ninguém quer saber da matemática. Porém, a história ensina: quem corre atrás de dinheiro fácil acaba fácil sem dinheiro.
As pirâmides e o velho enredo das quedas anunciadas
Os esquemas piramidais têm sempre o mesmo ritual:
- pagam bem no início,
- fazem centenas acreditar,
- arrebanham milhares,
- recolhem milhões,
- e desaparecem abruptamente.
Todos ganham no começo. Depois, todos perdem, menos os criadores, que já estão num país distante, a abrir nova plataforma com nome igualmente inspirador.
Lembram da Diamond Média?
Em 2022, a famigerada Diamond Média engoliu milhões de cabo-verdianos, residentes e emigrantes. Famílias inteiras perderam poupanças. Amigos convenceram amigos. A plataforma cresceu como febre e caiu como tempestade. E desapareceu sem devoluções, sem responsáveis, sem milagres finais.
O Direito (que tenta correr atrás do prejuízo)
Enquanto o BCV tenta proteger o sistema financeiro, o Direito Internacional tenta definir jurisdição, responsabilidade e vias de litígio para empresas sem país, sem rosto e sem morada. Quando a plataforma cai, quem reclamar? A quem processar? A página inicial? O ecrã de login? O fantasma digital que criou tudo?
Saber não pesa, mas a ignorância custa caro
O mundo digital é fascinante, mas não perdoa ingenuidade. Investir sem perceber é entregar o bolso à sorte ou talvez o “ ouro ao bandido”.
E quando a sorte é comandada por plataformas não reguladas, o resultado costuma ser apenas um: prejuízo. Desconfie sempre de quem promete o impossível. E lembre-se: no mercado, milagre é sempre caro.
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* Licenciado em Direito, Técnico de Segurança Pública , Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal militar








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