As mulheres do interior da ilha de Santiago, sejam elas de São Miguel, Santa Catarina ou dos Picos, carregam não apenas lenha e baldes d'água, mas também histórias de resiliência, sonhos e o desejo de ir além.
Assinala-se hoje, 15 de Outubro, o Dia Internacional da Mulher Rural e a Inforpress foi conhecer algumas histórias e lides que marcam as mulheres do interior de Santiago, região composta por seis municípios, e onde a agricultura, pesca, criação de gado, comércio, entre outras actividades são a base da vida das famílias.
Celene Monteiro, Isa Semedo, Ernestina Alves e Ângela Oliveira, cada uma de um município e à sua maneira, representam um retrato complexo e diversificado da mulher rural cabo-verdiana, que, em sua luta diária, desafia as fronteiras do campo e da tradição.
Celene, natural de Palha Carga, município de Santa Catarina, conta sua jornada de vida com orgulho e saudade. Crescida no meio rural, onde a água potável e a lenha para cozinhar eram motivo de celebração, ela hoje olha para trás e reconhece a robustez que a vida no campo lhe deu tanto física quanto mental.
“Viver no meio rural obrigou-me a ser uma mulher robusta”, diz ela, reflectindo sobre os desafios e as alegrias que moldaram sua identidade e por isso, atesta, o campo nunca saiu dela.
Após completar seus estudos secundários em Santa Catarina e licenciatura em Portugal, Celene voltou para Cabo Verde com um objectivo claro de contribuir para o desenvolvimento da sua terra.
“Quando voltei, vi que o meu lugar era aqui, ajudar as pessoas da minha terra”, diz com um sorriso orgulhoso.
Hoje, ela é professora, actua como líder comunitária, organizando iniciativas para capacitação e empoderamento das mulheres locais, sempre acreditando no poder da educação como ferramenta de transformação.
“Eu sempre digo que o futuro dessas meninas aqui pode ser diferente, pode ser melhor. E esse é o meu sonho. Quero transferir tudo o que aprendi e recebi, porque só assim me sinto verdadeiramente realizada”, conclui, relembrando que é preciso quebrar as barreiras e desmistificar os mitos de que a mulher rural é aquela que trabalha somente no campo ou em casa, mas sim aquela que luta todos os dias com toda força e garra para chegar onde sonhou.
Assim como Celene, Isa Semedo, de 37 anos, também encarna a força da mulher rural. Hoje vendedora de pão com fígado e linguiça, em Assomada, Isa já foi doméstica e trabalhou no campo, como muitas mulheres da sua região.
“Levanto-me todos os dias e com o meu balde saio à procura do meu pão para o sustento das minhas três filhas”, diz Isa, reforçando que apesar das dificuldades crescentes, desistir nunca foi uma opção.
E é com esta garra que esta filha de Santa Catarina deixou claro que o objectivo principal é “garantir uma educação diferente para as suas filhas, de modo que elas possam ter mais oportunidades no futuro, sem se desligarem das suas raízes”.
A vida de Ernestina Alves, de 49 anos, natural dos Picos [município de São Salvador do Mundo] segue um ritmo semelhante. Mãe de seis filhos e vendedora de cuscuz com leite, Ernestina também se divide entre o campo e o comércio.
Para ela, a mulher rural não é apenas aquela que lida com os afazeres do campo ou cuida dos filhos, pois que a mulher pode ser o que quiser, desde que tenha oportunidades.
“Eu não quero que os meus filhos sigam este ramo, de modo informal”, diz ela, revelando sua preocupação em garantir que as futuras gerações tenham escolhas mais amplas.
“A missão é ajudar meus filhos a ter uma vida diferente”, destaca Ernestina, que vê na educação o caminho para um futuro melhor.
Ângela Oliveira, do concelho de São Miguel, com apenas 28 anos, não teve a oportunidade de concluir os estudos, mas a sua visão de mulher rural é ampla e não se restringe somente àquilo que a sociedade impõe.
“A mulher rural é batalhadora, faz de tudo para sobreviver, desde o trabalho de campo até o comércio, à sala de aula, ao tribunal, ao parlamento (…)”, afirma ela, desafiando as ideias pré-concebidas de que a mulher rural está presa a uma vida limitada.
Além de gerir o trabalho doméstico e o campo, Ângela investe em pequenos negócios e capacitação, para assegurar um futuro melhor para si e para a sua prole.
Além das dificuldades económicas e do trabalho árduo, as mulheres rurais de Cabo Verde enfrentam barreiras invisíveis, como o machismo e as rígidas tradições culturais, que muitas vezes as prendem a papéis restritos.
“Aqui, muitos ainda acreditam que o lugar da mulher é em casa, cuidando dos filhos e da família, e não à frente dos negócios ou da comunidade”, refere Ângela.
Ela conta que é comum ver homens sendo mais respeitados em posições de liderança, mesmo quando a mulher tem mais experiência ou capacidade.
Porém, essa mentalidade está a mudar lentamente. “As mulheres rurais já estão a mostrar que são capazes de muito mais (….) nós carregamos o peso da vida rural, mas também carregamos o sonho de que as nossas filhas não tenham que passar pelo que passamos”, afirma por seu turno Isa Semedo.
O Dia Internacional da Mulher Rural celebra não apenas o trabalho físico dessas mulheres, mas também a força mental e emocional necessária para enfrentar a vida no campo.
Essas mulheres são a base de muitas economias rurais, garantindo a produção de alimentos e a estabilidade familiar, apesar das adversidades. “Nós somos as guardiãs do futuro (…) porque estamos a plantar sementes todos os dias, não só na terra, mas nas nossas famílias e comunidades”, afirma Celene.
Neste Dia Internacional da Mulher Rural, as histórias de Celene, Isa, Ernestina e Ângela mostram que, mesmo nas regiões mais remotas, os sonhos nunca param de crescer, e que as mulheres rurais, invisíveis para muitos, estão a construir o futuro com as suas próprias mãos.
O que une todas essas histórias é a força, a resiliência e o desejo de mudança. Embora muitas dessas mulheres ainda enfrentam barreiras, como o machismo, tradições rígidas e a superproteção familiar, elas estão a romper com os limites impostos.
A Semana com Inforpress
Terms & Conditions
Subscribe
Report
My comments