sábado, 23 agosto 2025

Reportagem: Ilha de São Vicente procura recompor-se da tempestade

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São Vicente vive a consequência da tempestade Erin que se abateu sobre a ilha no passado dia 11 de agosto. Dezenas de famílias desalojadas, comércios que perderam praticamente tudo, edifícios públicos parcialmente destruídos. Em São Vicente toda a população sente os efeitos desta tempestade. Enquanto muitas famílias continuam a retirar a lama que invadiu as casas, vários cidadãos limpam as ruas lamancentas. 

Em São Vicente, barlavento cabo-verdiano, em escolas ou centro sociais organizações da sociedade civil e instituições públicas distribuem alimentos e bens essenciais porque há famílias que estão a viver com muitas dificuldades.

A RFI conversou com operador turístico, Ricardo Delgado no Polivalente de Ribeira Bote durante uma acção solidária e com a socióloga, Patrícia Silva em Chã de Alecrim, um dos bairros que mais sofreu com a tempestade. As enxurradas ultrapassaram os dois metros de altura e algumas casas de um único piso ficaram debaixo de terra.  A socióloga, Patrícia Silva critica a falta de acção dos poderes públicos e de uma certa desorganização nos trabalhos de limpeza das vias

Na minha opinião, o que falta é talvez mais organização. Todos esses organismos ou instituições independentes que surgiram e que já existiam, mas a Protecção Civil, o Gabinete de Crise, vamos chamar assim, precisam centralizar-se e organizar-se. Está tudo muito disperso.

Então, acabamos até, por exemplo, de ter famílias a receber mais do que uma ajuda, por exemplo. Como não há essa organização, as pessoas estão a fazer as coisas, meio que a senso comum. E o caso da nossa rua é um caso gravíssimo, porque as pessoas, não houve vítimas, digamos assim, porque a chuva parou.

Porque se a chuva tivesse continuado, ela teria entrado no resto de chão da minha vizinha, no resto de chão da outra vizinha que tem problemas, que ela não consegue andar, não ia conseguir subir para o primeiro andar dela. Foi porque a chuva parou mesmo que não tivemos nada de mais grave, digamos assim, na minha rua. Temos resto de chão, temos garagens subterradas até hoje na terra, lama, pedregulhos.

Temos aqui também água parada, problema de doenças que vai começar a surgir. Agora o problema do lixo também. E hoje, presencia aí trabalhadores da Câmara aqui a varrer a terra.

Por exemplo, coisas, situações fora de sentido. A tirar lixo da terra, que está amontoada aqui em frente da rua. Muitos trabalhadores da Câmara com pás linchadas na mão, mas durante muito tempo sem fazer nada, vieram cá um único dia porque foi feita uma pressão.

 socióloga

Que tipo de lição é que nós podemos tirar?

Eu penso que o Cabo-verdiano precisa agora começar a usar a cabeça. Anos de investimentos na educação em Cabo Verde, as pessoas vão para fora estudar. Temos técnicos de todas as áreas que não é de hoje que estão a avisar dessas situações, não só na área da engenharia, da arquitectura, mas também a nível social.

Temos muitos sociólogos que já falaram sobre isso, assistentes sociais. A Câmara tem, um dos melhores sectores da Câmara, mais apetrechado em termos humanos, é o sector social da Câmara Municipal de São Vicente. As pessoas não têm esse conhecimento, mas é. Eles têm técnicos lá formados que estão no terreno.

Eles têm conhecimento da situação há muitos anos. Têm estudos que sabem perfeitamente das pessoas que vivem nas casas de tambor. Não é novidade.

Parece que houve pessoas que tiveram "wake-up call" de casa de tambor. Já houve até homenagem do centro artesanal das casas de tambor. Quer dizer que é algo histórico e cultural.

Está lá, sempre esteve lá, não é novidade. E na Câmara temos técnicos que trabalham nisso há muitos anos, só que o técnico não consegue fazer tudo. Nós temos depois quem está nas posições de decisão e de poder.

E esse é que é o maior problema que temos em Cabo Verde. Quem está à frente e que pode decidir, e que pode tomar decisões que tenham reflexo na vida das pessoas. Era possível prevenir isso? Eu penso que sim.

É um problema que em Cabo Verde nós temos a ciência, temos o conhecimento, mas depois não usámos. É isso que eu defendo. Temos os técnicos lá nos serviços de meteorologia, mas eles não usaram.

Um simples senhor que entrou num aplicativo no telemóvel, avisou que ia haver essa tempestade. Outra coisa que não acontece é a responsabilização. Quem agora vai ser responsabilizada por essa situação que aconteceu? Não vamos responsabilizar a natureza.

Há pessoas que deviam ser responsabilizadas. A Câmara Municipal deveria ser responsabilizada por essa situação de estar há anos a trabalhar sem um plano de director municipal, por exemplo. Por deixar as pessoas fazerem casas em lugares perigosos.

Ou seja, há uma política assistencialista onde deixamos o povo fazer o que ele quer, porque precisamos dos votos do povo, e isso que ele quer o coloca em perigo. Não há fiscalização, deixamos fazer e a vida continua. Porque as pessoas acham que não chove em Cabo Verde, não há esses fenómenos em Cabo Verde, mas sabemos bem que com a mudança climática que está a acontecer a nível mundial, isso tudo vai modificar.

E há anos estamos a ter vários sinais disso. Não é novidade. Só que desta vez foi pior.

Ou seja, a tendência é piorar. Então poderia sim ter evitado, se houvesse um aviso, as pessoas pudessem dirigir isso, por exemplo, para centros de acolhimento. Mas não há essa cultura.

Nós não temos essa cultura de prevenir, de preparar. Inclusive, a única disciplina que falava desses assuntos no sistema educativo foi retirada, que é a educação para a cidadania. Nós, no sétimo ano e no oitavo ano, nós leccionávamos isso.

Nós ensinávamos aos alunos como reagir em situações de catástrofes, como reagir em situações de perigo, e hoje em dia não há nenhuma disciplina em que se fala disso. Não há educação para a cidadania, então é complicado.

Por outro lado, o operador turístico, Ricardo Delgado praticamente parou o seu trabalho no sector do turismo para apoiar algumas organizações não governamentais a arrecadar e a distribuir alimentos, roupas e produtos de higiene. Ricardo Delgado queixa-se da falta de coordenação na distribuição das cestas básicas, revelou que o sector do turismo está a sofrer com muitos cancelamentos e adiamentos e afirma que mesmo com preparação era impossível evitar estragos.

De facto, a chuva foi muita. Não estávamos preparados para esta chuva.

São Vicente não está preparado para esta chuva. Embora já haja problemas que são de raiz, já são passados. Portanto, a chuva foi muita. Mesmo que houvesse uma melhor preparação, acho que haveria sempre estragos. Eu pessoalmente tive alguns estragos, mas não foram avultados comparando com outras desgraças.

operador turistico

Houve gente que perdeu casas, perderam tudo o que tinham, ficaram com a roupa no corpo. Houve vidas que se perderam. Portanto, não há nada que pague isso. Acho que devemos tirar aprendizagens de tudo isto. Assim, a nível do turismo, que é a minha área, nós estamos a sofrer cancelamentos. Há pessoas que cancelaram pura e simplesmente as viagens. Há pessoas que adiaram as suas viagens. Tentaram fazer alterações dos voos. Temos que entender que um turista que está de férias pode não estar disponível para viver a miséria com que nos encontramos aqui e os problemas com que nos encontramos. Estamos, por exemplo, com praticamente esgoto a céu aberto.

Temos problemas com recolha de lixo. Possivelmente, em muito em breve, vamos ter problemas de doenças. Temos de ter muito cuidado com isso.Tentar limpar o mais rapidamente possível. Protegermos-nos também, porque há questões de saúde pública que estão iminentes neste momento. Vai ser o nosso próximo desafio. Agora, em relação à prevenção, acho que temos de fazer um trabalho de raiz. O povo, a população, esteve sempre muito unida, tentando fazer um trabalho imediato de solução de necessidades imediatas da população. Isso só não chega, porque se fizermos trabalhos pontuais e não fizermos um trabalho para o futuro, iremos ter sempre problemas.Portanto, não estamos a resolver pela raiz, estamos apenas a atacar o problema imediato.

 

O governo anunciou algumas medidas para ajudar micro e pequenas empresas, para tentar dar uma mão. Acha isso suficiente?

A questão de ser suficiente é tudo muito relativo. Eu vi negócios que estão completamente destruídos. Retomá-los não vai ser nada fácil. Não vai ser nada fácil mesmo. O povo surpreendeu-me pela positiva, porque eu sou cabo-verdiano, nasci em Cabo Verde, vivi muitos anos fora. Acho que nós, sendo um país pequeno, temos uma força tremenda. O cabo-verdiano é um povo resiliente, muito lutador. Vamos atrás. Eu acho que será possível voltar novamente ao que éramos, mas isso vai levar tempo. Os apoios que podem vir de fora e do governo, nomeadamente, acho que podem dar sempre uma ajuda, mas não sei até que ponto serão suficientes.Eu acho que temos que tirar lições muito grandes daqui para o futuro, porque é assim, com o tempo que nos encontramos, o clima e tudo mais, essas alterações climáticas, estamos cada vez mais sujeitos a estas intempéries. Temos que fazer um trabalho de raiz, planeamento sobretudo, tem que haver muito planeamento, porque sem planeamento estaremos sempre a trabalhar em cima do joelho.

Acho que deveria haver uma maior coordenação das ajudas. O que aconteceu, realmente, é que o povo agiu de uma forma imediata e quando se age nessa forma imediata, às vezes não há a coordenação desejada.) Mas também, a verdade é que se não houvesse ajuda imediata, se calhar o povo estava a passar muito mal, muitas dificuldades. Acho que o governo deveria ter sido mais célebre a agir.Não estou a dizer que não tenham agido, não é isso que está em causa, mas, pura e simplesmente, foi uma máquina que levou muito tempo a pôr em funcionamento. Temos que estar mais bem preparados para agir mais rapidamente.

Muitos cidadãos responsabilizam os serviços de meteorologia e a protecção civil por não terem alertado a população da tempestade do dia 11 de agosto. Mas, as autoridades reafirmam que foi impossível prever a dimensão da onda tropical e especialistas dizem que as fortes chuvas que caíram na madrugada de segunda-feira, 11 de agosto acompanhada de trovoadas, raios e relâmpagos, ocorreram num lapso de tempo extraordinário, tornando-se imprevisível para a observação meteorológica habitual.

 

A Semana com RFI

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