sábado, 05 julho 2025

Independência/50 Anos: A vida levou-me a dedicar mais aos outros do que a mim e vivo em paz com a minha consciência – Pedro Pires

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O comandante Pedro Pires revelou que a vida o levou a dedicar-se mais aos outros do que a si próprio, que a existência lhe ensinou a não lamentar, guardar mágoa ou rancor, considerando-se uma pessoa simples e modesta.

 

Aos 91 anos Pedro Pires disse não ter medo da morte, mas não quer morrer. O comandante despediu-se da entrevista, pedindo às pessoas, os políticos, governantes, a acreditarem umas nas outras, ter mais diálogo, maior consenso, unidade e respeito mútuo.

 

 

Às 16:00 desta quinta-feira, 03, o comandante Pedro Pires disponibilizou-se para falar um pouco de si, numa entrevista à Inforpress, algo fora do comum, embora num momento de celebração dos 50 anos de Independência, uma conversa mais intimista, onde acomodado na sua cadeira, num dos aposentos do Instituto Pedro Pires (IPP), riu bastante, ao embalar-se nas histórias do passado e presente, de forma descontraída. 

Nascido na ilha do Fogo, numa localidade chamada Santana, Pedro Verona Rodrigues Pires, seu nome de baptismo, mais conhecido por Pedro Pires, veio de uma família de agricultores, que viveu com algumas limitações, pois, naquela altura, conforme explicou, as pessoas que viviam da agricultura dificilmente podiam dizer que tinham uma vida folgada.

“A nossa vida foi de muitas limitações, estou a falar da minha família. Pelo esforço pessoal de um e outro, estou a referir-me aos meus irmãos, à minha mãe, fomos conseguindo reorganizar de forma a ter mais resultados e uma vida sem muitas dificuldades”, contou.

A mãe teve nove filhos, mas o seu pai tem um número grande de descendentes, à volta dos 30, pelo que Pedro Pires não lhe saiu desse lado, sentindo-se num campo literalmente diferente, porque tem apenas duas filhas do casamento com a esposa Adélcia Pires, as quais deram-lhe também duas netas. 

Conheceu Adélcia, a mulher que veio a ser sua esposa e mãe das suas filhas na Guiné, no fim da luta, depois uniram-se, vivendo aqui em Cabo Verde, vão fazer 50 anos, mais ou menos a idade do aniversário da Independência Nacional.

A infância para um miúdo nascido no campo, naquela altura, era como se estivesse numa espécie de isolamento, mantendo-se apenas relações com a vizinhança, quanto mais não seja, o campo da altura, não é o campo de hoje. 

 “Naquela altura, não tínhamos rádio, as comunicações eram difíceis e tudo era complicado. Vivíamos numa espécie de isolamento. Uma pessoa no campo estava mais ou menos isolada e tinha relações com os seus vizinhos. Nada mais do que isso”, explicou.

Para fazer a escola primária sai da sua localidade de origem e vai viver para a cidade de São Filipe, onde também viveu a sua adolescência e juventude.

Recordando um pouco a sua mocidade conta que depois de São Felipe foi para São Vicente fazer a admissão aos liceus, passando para Praia, depois de novo para São Vicente, onde concluiu o liceu, o sétimo ano.

Quanto às namoradas, disse entre risos, que foram coisas muito ligeiras, sem grande importância e compromisso, porque tinha uma vida de alguém muito pacato, tímido, preocupado em não falhar.

“Tinha amigas em São Vicente, assim como tive algumas em Portugal. Uma companheira a sério, só depois de regressar a Cabo Verde, e já era uma pessoa adulta. A vida levou-me a que me dedicasse mais aos outros do que a mim, as preocupações levaram-me também a organizar a minha vida de forma que, entre a minha vida e os meus objectivos, tentei fazer o máximo para que não houvesse contradição”, narrou.

Atendendo que a vida obriga muitas vezes a fazer escolhas, conta que depois de entrar mais a sério no PAIGC, na luta pela libertação, esteve muito condicionado na sua vida, porque queria ganhar e nunca perder e não se arrepende das escolhas que fez.

Pedro Pires foi militar de patente do exército português, trabalhou no radar e controle aéreo, chamavam aquilo de oficiais do quadro técnico de aviação, onde esteve algum tempo, depois saiu de Portugal, mais ou menos em 1960/61, numa altura em que já tinha começado a guerra em Angola, havido uma série de confusões em torno da libertação dos povos africanos. 

A integrar-se num grupo grande de jovens de Cabo Verde, mas muita gente de Angola, nessa corrente de pensamento que há que lutar pela independência africana, nessa perspectiva, aproveitou e saiu de Portugal para participar das lutas que estavam em curso, integrando-se finalmente no PAIGC.

Falando da idade, aos 91 anos diz agora estar mais preocupado em manter a forma, cuidar um pouco do físico, fazendo pilates três vezes por semana, cuidar da alimentação, da saúde, mas também acabar de reunir umas ideias que tem em marcha.

“Vamos ver o que vai ser. Nunca se sabe. Estou numa idade em que a pessoa está mais frágil, fragilizada… devemos fazer o esforço para não ter nenhum azar para não cair (risos). Acompanhar as coisas lá fora. Isso não está nada agradável. Muita violência, muita insegurança, não sabemos o que é que vai acontecer”, referiu em tom de preocupação.

A memória é selectiva, geralmente guarda aquilo que quer, e a do comandante Pedro Pires guarda a sua vida na Guiné, por exemplo, o assassinato de Amílcar Cabral, o facto de se ter conseguido chegar à independência da Guiné e Cabo Verde, entre outros marcos.

“São marcos. Investi muito na independência de Cabo Verde. Temos Cabo Verde independente”, exteriorizou com satisfação, não se importando com o que ele passou e sofreu.

Perguntado como reagiu e o que sentiu quando depois das eleições em 1991, fizeram o seu “enterro” simbólico, Pedro Pires disse ter ficado surpreendido com essa “asneira”, tendo em conta tudo o que fez pelo seu país. 

“Merecia melhor tratamento e respeito. Mas isso deu-me também mais forças para continuar. E assim continuei até os dias de hoje. Talvez, as pessoas que me enterraram poderão estar arrependidas de ter feito essa asneira, da mesma forma que as pessoas que me caluniaram", disse. 

“Acho que devem fazer um exame de consciência. Não sofri e nem sofro por isso. Essas coisas não me afligem”, comentou, sublinhando que a vida lhe tem oferecido também coisas “muito boas” e isso dá-lhe ânimo. 

Um belo dia foi-lhe também tirado a casa onde sempre morou, face a esse infortúnio Pedro Pires explicou que aquisição de uma residência própria não estava nas suas prioridades, colocando em primeiro plano o seu dever para com o país em detrimento dos seus interesses pessoais.

Se o tempo voltasse para trás fazia tudo diferente ou tudo igual? Ao que responde: “O tempo não volta para trás e são contextos diferentes. Se disser que faria tudo igual, não estaria sendo sincero, se disser que faria tudo diferente, também não estaria sendo sincero”, confessou.

Quando se olha ao espelho, diz: “já estou velho”, mas isso não lhe assusta, referindo que a questão é aceitar e saber gerir as dificuldades e limitações da velhice.

Aos 91 anos Pedro Pires disse não ter medo da morte, mas não quer morrer. 

O comandante despediu-se da entrevista, pedindo às pessoas, os políticos, governantes, a acreditarem umas nas outras, ter mais diálogo, maior consenso, unidade e respeito mútuo.

A Semana com Inforpress

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