O boxe de Cabo Verde tem, pela primeira vez, uma mulher como presidente de uma associação: Hermem Freire, 34 anos, foi eleita este mês para dirigir a Associação Regional de Santiago Sul, ilha da capital do país
“É muito importante para o desporto em Cabo Verde, mas também para outras mulheres assumirem cargos de liderança, seja em associações ou empresas. Acho que é um marco”, referiu, em entrevista à Lusa, no meio do recinto de treino do Liceu Domingos Ramos, Praia, rodeada de cerca de quarenta praticantes.
A maioria são praticantes homens, mas há meia-dúzia de mulheres, de punho em riste, entre quem aproveita o anoitecer para treinar – seja como forma de exercício ou para preparar competição.
O pugilista David Pina assegurou, há um mês, a primeira medalha de sempre de Cabo Verde em Jogos Olímpicos, ao conquistar a bronze em -51 quilos e o feito está a inspirar outros atletas.
É o caso de Vanessa Monteiro, 25 anos, lutadora que saltita no recinto enquanto desfere golpes sonoros contra um saco de treino, a um ritmo constante, preparando-se para o campeonato nacional feminino.
“O David e a Nancy são referências e acho que hoje temos mais pessoas e mais mulheres no pugilismo, graças a eles”, refere à Lusa, acrescentando o destaque a Nancy Moreira, pugilista cabo-verdiana que se sagrou Campeã Africana de Boxe, em 2023.
Neste contexto em que o pugilismo está em alta, no arquipélago, ficou ainda mais satisfeita quando soube da eleição de Hermem Freire.
“Acho que faz a diferença” ter uma mulher presidente da associação: “sempre correm mais que os homens” para alcançar metas em comum, refere, numa alusão às diferenças de género, que persistem.
É mais um incentivo para Vanessa alcançar o seu sonho, chegar aos Jogos Olímpicos: “estou a preparar-me muito para daqui a quatro anos”.
A nova presidente mistura-se entre os mais novos em treinos de aquecimento e está cheia de otimismo.
“Espero que, com a minha liderança, haja mais mulheres, não só no boxe ‘fitness’, mas também para participarem em competições femininas. Há necessidade de ter mais mulheres: a única em competições internacionais é a Nancy. E quando se reformar”, pergunta.
Hermem Freire é consultora de educação financeira e, desde cedo, adotou o boxe como o seu desporto, apesar de só por uma vez ter subido a um ringue, numa competição local.
“A partir do momento em que levei um soco e vi estrelas, soube que não era para mim. Foi a minha primeira e última luta. Para mim, é melhor estar nos bastidores, a apoiar o boxe”, que pratica todos os dias, como parte do seu “estilo de vida saudável”.
Um modelo que quer difundir, num mandato de dois anos, que promete ser centrado nos atletas e nos clubes, para relançar as atividades da associação regional de Santiago Sul.
“Comecei a falar com treinadores que incentivaram a minha candidatura. A minha vontade é transformar o boxe, que sempre foi um desporto muito querido aqui na cidade da Praia. Mas, nos últimos anos, caiu, houve um retrocesso”, descreve.
Com a medalha olímpica conquistada este ano, estão criadas condições para “uma comunicação massiva” à volta de tudo o que se faz relacionado com a modalidade.
“Vou investir muito na comunicação” e em atrair apoios para atletas, diz.
Na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, há vários clubes de boxe repletos, à semelhança do recinto do Liceu Domingos Ramos – Hermem treina aqui às segundas, mas assumiu um compromisso para treinar noutros clubes no resto da semana, incluindo no Safende Boxe, bairro onde começou a praticar a modalidade.
O número real de clubes e praticantes é uma incógnita.
“O mais urgente é trabalhar na gestão. Temos treinadores que preparam campeões”, como David Pina, “mas os clubes não estão organizados. Temos de começar a criar registos, bases de dados e processos, dos iniciados até aos profissionais”, descreveu.
“A vantagem é a competência dela”, não o facto de ser mulher, porque deve haver igualdade de género, diz Flávio Furtado, antigo presidente da federação e pugilista que representou Cabo Verde nos Jogos Olímpicos de 2004.
Hoje treina alguns dos atletas no mesmo recinto.
Adilson Varela, treinador de Hermem, diz que a forma “como conhece a modalidade, há vários anos”, lhe permite planear um mandato repleto de atividade.
A primeira presidente mulher no boxe de Cabo Verde promete reservar parte do seu tempo “para estar os com treinadores e atletas, nos clubes, saber das suas dores e daquilo que precisam”.
A Semana com Lusa
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