A reviravolta política desencadeada pelas eleições autárquicas em Cabo Verde é um dos eventos que marca o ano de 2024 no arquipélago e cujos efeitos deverão perdurar.
Nas lutas da atualidade, as organizações sindicais dos professores cabo-verdianos foram as que mais vezes enfrentaram o Governo, contra a proposta de reformulação de carreiras, cujo decreto-lei o Presidente da República vetou.
Pela primeira vez, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição parlamentar) tem a maioria das câmaras, 15, enquanto o Movimento pela Democracia (MpD, Governo) ficou com sete.
É uma inversão completa do mapa dos municípios, em que, há quatro anos, o MpD tinha conquistado 14 autarquias, contra oito do PAICV.
O partido que governa Cabo Verde classificou a derrota como “eloquente” e prometeu “refletir” sobre o sinal dado pelo eleitorado, enquanto o PAICV falou de uma onda que varreu as ilhas, refletindo descontentamento com o Governo.
O tom está dado: o rescaldo da votação para os municípios soou a tiro de partida para as movimentações políticas que vão conduzir às eleições legislativas e presidenciais de 2026.
Em 2024, Cabo Verde celebrou os 100 anos do nascimento de Amílcar Cabral e os 50 anos da libertação dos presos políticos (do regime colonial português) do campo de concentração do Tarrafal de Santiago, datas redondas que, à margem dos eventos principais, destacaram divergências antigas.
Dentro do MpD, houve divisões quanto à valorização dada ao fundador da luta de libertação, enquanto antigos combatentes e companheiros de Cabral se queixaram de haver quem queria rever a história do arquipélago.
Seja como for, um dos retratos do ano juntou três chefes de Estado a celebrar a paz no antigo campo de concentração do Tarrafal: José Maria Neves (Cabo Verde), Umaro Sissoco Embaló (Guiné-Bissau) e Marcelo Rebelo de Sousa (Portugal), com João Lourenço (Angola) representado pelo ministro da Defesa.
Entre os históricos, o obituário de 2024 inclui ‘Lilica’ Boal, 90 anos, diretora da escola piloto do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) durante a luta pela independência, e Júlio de Carvalho, primeiro comandante das forças armadas do arquipélago, treinadas em Cuba.
Nas lutas da atualidade, as organizações sindicais dos professores cabo-verdianos foram as que mais vezes enfrentaram o Governo, contra a proposta de reformulação de carreiras, cujo decreto-lei o Presidente da República vetou.
Mas o executivo do MpD diz que perseguiu todos os acordos e que a contestação que resta é residual, prometendo voltar a levar a lei a votação no parlamento – onde tem maioria – em data a anunciar.
As irregularidades com o salário da primeira-dama e outras despesas foram tema que se arrastou ao longo do ano, com troca de argumentos entre o Presidente da República, de um lado, e membros do Governo e MpD, do outro.
O chefe de Estado queixou-se de uma instrumentalização para o atingir, enquanto a maioria no poder pediu responsabilidades – em outubro, José Maria Neves anunciou a substituição do chefe da Casa Civil da Presidência.
Noutro tema, prevaleceu a união: a classe política juntou-se para lamentar a morte de Odair Moniz, cabo-verdiano a viver em Portugal, baleado pela polícia, na Cova da Moura, em outubro, num caso que gerou tumultos na zona de Lisboa – face aos quais, a partir de Cabo Verde, Presidente da República e primeiro-ministro pediram serenidade.
Na economia do país lusófono, um crescimento do turismo acima do esperado melhorou as previsões e o banco central prevê agora que o Produto Interno Bruto (PIB) suba 6,1% este ano e 5,6% em 2025, acima das médias internacionais.
Há mais companhias aéreas internacionais a voar para o arquipélago, onde a Vinci está a renovar os aeroportos, mas os voos entre ilhas continuam com problemas, travando a logística e o turismo interno.
Essas e outras áreas deverão beneficiar do maior pacote financeiro de sempre de apoio de Bruxelas ao arquipélago, no valor de 300 milhões de euros, formalizado em setembro, a aplicar nos próximos anos.
Os serviços de saúde também continuam a ser uma fragilidade em Cabo Verde, com os parceiros internacionais a pedir melhor planeamento e orçamentação, sobretudo ao enfrentar uma epidemia de dengue, que assola as ilhas há um ano.
A doença parece ter entrado em fase descendente com o fim da época de chuvas (julho a outubro), que este ano foram abundantes, somando mais de 17.000 casos e oito mortes no início de dezembro.
A precipitação deu razões para os cabo-verdianos sorrirem, num país árido, que este ano teve outro momento de festa, com a primeira medalha olímpica de sempre.
Em agosto, o pugilista David Pina fez história ao conquistar bronze nos Jogos Olímpicos, em Paris, e deu um novo fôlego à modalidade e aos adeptos no seu país de origem.
A Semana com Lusa
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