Todo o mundo quer seu tanto, e de muitos modos se o procura. Iludem-se alguns com o bebê-la, outros vivem de cheirá-la; há quem compre livros de autoajuda; existem os que a exigem dos médicos, que lha receitam. Muitos querem gozá-la logo na terra, outros estão seguros de fruição futura, ou sentados à mão direita do seu senhor, ou evoluídos à condição de espírito de luz.
Por. Léo Rosa de Andrade*
Conheci uma mulher arrebatadora que a gozava ao tempo em que vivia, e queria gozá-la na vida eterna. Mas – se vida eterna encontrasse – queria gozá-la hospedada no inferno, para onde iriam os que pecam e se divertem, e onde, decididamente, não estaria a sua amada tia Cotinha, esforçada senhora que, em vão, tentou educá-la para as coisas pudicas e resguardadas.
Investiga-se pouco a felicidade. Discute-se mais o seu inverso, suas noções negativas. Há um miasma de infelicidade, uma ansiedade diante de imagens e papéis sociais que as pessoas se atribuem, e que querem cumprir a qualquer preço. Não conseguem, frustram-se, amargam sentimentos de impotência, tudo açodadamente nomeado e tratado como depressão.
Depressão – que existe e é grave – está uma espécie de moda que veste as emoções humanas. Mais na moda se medicamentada. Remédios, todavia, não trazem alegria, tão só suprimem um desconforto nunca enfrentado. Evadidos das próprias emoções, os entorpecidos com drogas legais não as reconhecem.
Embotam-se e sobrevivem assim, alheados de si mesmos.
Felicidade não é dádiva. É uma invenção. Invenção grega. Os gregos a compreendiam de dois modos. Para uns, era uma coisa mundana, do homem na sua relação consigo, com as coisas e com os demais homens. Para outros, era algo que só o sábio alcançava, e o sábio, criam, bastava-se, não dependia das relações com as coisas e com as distintas pessoas.
Para os primeiros, eu só seria feliz se estivesse bem de corpo, com minhas emoções, minhas coisas e com as outras pessoas; a felicidade decorria de mim e das minhas relações. Para os segundos, o sábio, imune às coisas externas, não teria sua felicidade diminuída por má sorte, ou aumentada por circunstâncias favoráveis; a felicidade era o saber encaixar-se no Cosmo.
Esses pensamentos sobre felicidade chegaram a dois lugares. O do sábio foi dar no pensamento religioso, no que se chama de bem-aventurança. Nele, alcança-se a felicidade por contemplação do divino, por busca de uma plenitude que dispensa necessidades e aspirações mundanas. É a felicidade da idade medieval, mas, como discurso, subsiste com farta circulação.
O outro, o mundano, encaminhou-se para a busca do prazer e para o livrar-se do sofrimento. Há muitas teorias a respeito. Após a Revolução Francesa, que inventou o indivíduo, renasceu a compreensão de que a felicidade jamais poderia ser uma questão unicamente pessoal. Ela bem poderia ser a maior imaginável, mas deveria ser levada ao maior número possível de pessoas.
Esse pensamento concebeu-o o Iluminismo, quando se alcançou que o próprio humano havia de dar conta da humanidade. Teve amparo filosófico e cobertura política. Festejou um bom momento ao ser feito garantia constitucional nos Estados Unidos: todo homem tem direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade – Life, Liberty and the pursuit of Happiness.
Esses princípios decorrentes do liberalismo intentam restringir a atuação do Estado sobre o indivíduo. Vale ressaltar que o direito declarado não é exatamente à felicidade, mas à sua busca. O seu gozo, portanto, não adviria de decretação legal, mas da garantia legal de se poder buscá-la. Cada qual, pois, que, ao seu modo, na Sociedade Civil, construísse a sua.
Hoje, já bem se sabe que ninguém é feliz sozinho. Mas é preciso compreender que a minha felicidade, além de depender de mim, depende, não menos, da realidade do mundo. Não dá para eu ser feliz enquanto os outros se danam à minha vista e o planeta se deteriora à vista de todos. Se a autossuficiência do sábio não bastava, menos bastará a do ganancioso.
Se não quisermos viver em solidariedade por prazer, deveremos fazê-lo por interesse. Eu estou no mundo e o mundo me condiciona. Não há escolha: as pessoas ao meu redor são a única possibilidade da minha felicidade. Com efeito, como os outros também têm o direito de ser felizes, se não se reparte a coisa, se a disputa. Em estado de violência é difícil ser feliz.
A felicidade geral, pois, serve ao meu próprio benefício. Não é uma opção: estamos implicados conosco, com o próximo e com as circunstâncias da existência compartilhada. Aos que não cuidarem de si, do outro e da vida em comum, eu não lhes quero o mal, apenas lhes desejo muita solidão, uma boa depressão e uma entorpecente caixa de remédios.
* Doutor em Direito pela UFSC.Psicanalista e Jornalista.
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