O antropólogo Arlindo Mendes chamou esta quarta-feira a atenção para a possibilidade de desaparecimento de refeições fúnebres tradicionais devido ao surgimento de novas tendências e novos tipos de comida servida durante a cerimónia fúnebre.
Arlindo Mendes fez este alerta em declarações à imprensa, à margem da conferência subordinada ao tema “Gastronomia Tradicional Cabo-Verdiana: das Origens aos Novos Sabores”, promovida pelo Instituto do Património Cultural (IPC), na Semana Internacional da Gastronomia, organizada pelo Ministério do Turismo, na cidade da Praia.
Conforme explicou, a refeição fúnebre é um ritual comum em muitas culturas, onde comida e bebidas são servidas para confortar os enlutados e celebrar a vida do falecido, referindo que houve várias tentativas das autoridades políticas e religiosas no sentido de se eliminar esta prática, mas até ainda não foi possível.
“A questão é que sobretudo as entidades religiosas olham isso como práticas gentílicas, ou seja, práticas de pessoas não civilizadas. Enfim, coisa do negro e então convém que essas práticas caiam de lado, para que outras influências, outros valores europeus possam ocupar esse lugar”, disse, indicando que esta é uma tentativa antiga e que caso aconteça seria um atentado à cultura.
De acordo com o especialista, nos últimos tempos esta prática tem sofrido alterações, e com novas opções de alimentos que, a seu ver, não tem nada a ver com a tradição.
“Actualmente, já se serve bolo, pastéis, banana, cuscuz, cachupa guisada, whisky, cerveja, que outrora não existiam. Fundamentalmente, noutros tempos, era feijão, xerém, carne de porco e carne de capado. Não se utiliza peixe, nem doce, nem leite, esses produtos são interditos nas refeições funerárias”, explicou.
Reconheceu, no entanto, que tem havido uma evolução natural das coisas, mudanças culturais e sociais, mas que, entretanto, é imprescindível que haja investigadores para tentar recuperar a memória, sob pena do seu desaparecimento completo.
Acrescentou que a introdução de whisky, de banana e outros alimentos é recente e que a mesma se decorre, provavelmente, de alguma aculturação, da influência externa, sobretudo da emigração.
“A bebida que se utilizava na ocasião era o grogue, sobretudo, no quadro dos rituais da morte. É tão verdade que ainda hoje existe a famosa ´tira boca morte´, que veio para ficar”, realçou.
A conferência realizada pelo IPC visa promover a gastronomia cabo-verdiana como património cultural imaterial e motor de desenvolvimento sustentável.
Através desta actividade o IPC reforça o seu compromisso com a valorização e salvaguarda do património cultural imaterial, promovendo o reconhecimento da gastronomia como uma expressão legítima da história, da memória colectiva e da criatividade das comunidades cabo-verdianas.
Durante o evento foram abordadas questões relacionadas com as origens e evoluções da culinária tradicional cabo-verdiana, os seus significados simbólicos e identitários, bem como os desafios e oportunidades de inovação na actualidade.
A Semana Internacional de Gastronomia integra-se no Programa Operacional do Turismo (POT 2022-2026), assumindo-se como uma iniciativa estratégica para valorizar a gastronomia nacional enquanto património cultural e fator de desenvolvimento sustentável.
Durante seis dias, a Semana Internacional da Gastronomia Cabo-verdiana reunirá chefs nacionais e internacionais, especialistas, estudantes e profissionais do sector em torno de um programa diversificado que inclui demonstrações culinárias, concursos gastronómicos, mostras de produtos locais, debates temáticos e experiências sensoriais.
A Semana com Inforpress
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