Abundam no deserto saariano de onde nos chegam, em hordas agressivas, em certas condições ambientais de mudança como a passagem de um longo período de seca para uma chuvada súbita, como neste setembro.
Qualquer pequeno canteiro de plantas torna-se pousada de gafanhotos, insectos saltitões difíceis de apanhar.
Na entomologia, ciência dos insectos, há autores que classificam os gafanhotos como Acrididae, da família dos ácrides. Ou seja, a mesma família dos camarões – sejam marítimos ou de água-doce, como os das nossas “passagens de água”, loci amoenus que são palco de trovas brejeiras.
O comportamento dos gafanhotos, dependente da fase em que se encontra no seu desenvolvimento e das condições ambientais, tanto pode ser inócuo como prejudicial à atividade agrícola.
São em geral animais solitários, nas condições ambientais sem mudanças significativas. Mas se ocorrer uma mudança como um longo período de seca seguido duma chuvada súbita que faz surgir uma densa vegetação, os solitários tornam-se gregários, além de que se dá uma mudança morfológica que os faz procurar mais fontes alimentares.
Em busca de fontes alimentares, os mais robustos tornam-se então migratórios, o que explica as invasões de pragas em Cabo Verde vindas do Saara.
Inofensivos, sem qualquer sombra de ameaça para as culturas, é como surgem na descrição bíblica de Marcos. No Êxodo, ao contrário, a sua aparição surge como uma das sete pragas do Egipto.
No deserto, conta Marcos no seu evangelho, foram alimento para João Batista (perdido o ’p’ que não se diz). “João Batista apareceu no deserto e pregava”, “alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”.
A descrição factual desse modus vivendi nada nos diz sobre se esse regime alimentar era ou não condenável. Necessário era, para quem no deserto não teria outras fontes de proteínas necessárias à vida.
E isso explicará o porquê de em certas regiões do mundo, como o Norte de África, Próximo de Médio Oriente, Arábia, partes da Ásia, se continuar ainda hoje a comer gafanhotos — sob diversos modos de confeção, mas de preferência assados, fritos, fumados.
Vejam-se as célebres espetadas num restaurante de Beijing/Pequim. A capital chinesa terá capitalizado o conhecimento de mais de três mil anos, pois fontes históricas indicam que no século nono antes de Cristo havia oficiais reais que tinham a missão de combater as pragas de gafanhotos.
Esse combate há três milénios não anda muito longe da brigada de extermínio ordenada, há dias, pelas autoridades. Ou da “matança de gafanhotos”, para a qual a administração chamava a população da Boa Vista nos anos de 1930-40, e que na morna “Maria Barba” a cantadeira desse nome (Maria Bárbara) invoca para interromper a serenata.
As pragas de gafanhotos acompanharam a nossa história, como mostram murais egícios de há quatro milénios – muito anteriores aos relatos bíblicos, estes que a investigação histórica em curso vai permitindo confirmar.
Fontes: Literárias e históricas e da cultura nacional. Fotos: Gafanhoto, ao centro, da família Acrididae, como o camarão, ao alto. Espetadas em Pequim. LS
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