Iva, filha mais velha de Amílcar Cabral, não se lembra de receber aulas de política do pai e só se apercebeu da sua importância após o assassinato, em 1973, quando tinha 19 anos.
“Ele cantava muito bem, para mim, desde pequenina”, música brasileira e cabo-verdiana, recordou, aos 71 anos, na sua casa na cidade da Praia, Cabo Verde, numa entrevista à Lusa a propósito do ano do centenário do líder anticolonialista.
Seriam cantigas com mensagens? “Não, não eram músicas políticas. Eu acho que ele nunca me deu aulas de política. Eu acho que ele reservava-me para ser filha, só”, disse, acrescentando mais à frente: “Eu acho que ele deu tudo para a luta e queria ficar com alguma coisa só dele”.
“Foi comigo que ele passou a maior parte do tempo, apesar de eu ter ido estudar para um internato muito cedo. Mas ia todas as férias ficar com ele”, em Conacri, base do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Era nesses momentos que Iva se apercebia dos sinais de reverência em relação ao pai, mas, disse, nunca teve “muita noção da importância dele”.
“Pode acreditar. Eu comecei a ler Cabral depois da morte dele. Para mim, era meu pai, mais nada. Vi que ele tinha importância: faziam-lhe continência quando eu ia lá, a Conacry. Depois estudei na União Soviética e tratavam-no com grande admiração”, recordou.
O sentimento de culpa submergiu-a, por achar que nunca deu “o valor que devia ter dado” ao pai.
“Mas acho que ele não queria. Era mesmo isso. Ele queria-me só como filha” e, ao mesmo tempo, "proteger-me".
A morte de Amílcar Cabral teve um impacto marcante: “larguei os estudos, entreguei-me à militância durante uns tempos. Tive graves depressões”, contou, revendo uma vida repleta de momentos marcantes.
Nesse filme de memórias, pontifica um Amílcar Cabral “gentil e atento”.
“Por exemplo, quando íamos a um restaurante, se havia flores na mesa, ele tirava uma e dava às moças que serviam. Caíam todas”, relatou, entre gargalhadas.
Afinal, o líder das independências “não era assim nenhum bonitão”, mas tinha um trato que sobressaía.
“Ele achava as mulheres senegalesas muito bonitas e dizia-me que, se não fosse a preocupação com a luta, ele viveria em Dacar. Ele tinha esse lado humano muito forte e, por isso, também publiquei as cartas dele para a minha mãe, porque mostra esse lado, de certa forma, romântico”.
O livro “Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a Outra Face do Homem” foi lançado em 2016, juntando 53 cartas escritas à primeira mulher e mãe de Iva – união de que nasceu também Ana Luísa, irmã do meio, em 1962.
Da relação de Cabral com a segunda mulher, Ana Maria, nasceria Indira Cabral, em 1969, a irmã mais nova de Iva e com qual tem lutado para que o local dos restos mortais do pai seja de acesso público.
O líder das independências repousa num mausoléu dentro do perímetro do quartel da Amura, em Bissau, e por diversas vezes tem havido impedimentos para a realização de cerimónias evocativas de datas históricas, no local.
Iva considerou importante que os restos mortais estejam “num espaço onde qualquer um possa entrar, levar as suas flores, onde as crianças possam brincar” – ou transformando o local actual ou mudando os restos mortais.
“Espero que não haja necessidade de pôr o Governo da Guiné-Bissau em tribunal, mas, nunca se sabe. Se for necessário, faremos isso”, concluiu.
Amílcar Cabral celebraria 100 anos a 12 de Setembro de 2024, decorrendo actividades em diferentes países para assinalar a efeméride.
Em Cabo Verde, várias comemorações estão associadas à Fundação Amílcar Cabral e incluem um colóquio internacional sobre o líder histórico, a realizar em Setembro, como ponto alto do programa.
A Semana com Lusa
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