Perante a recusa dos diferentes sindicatos do sector da educação em assinar o memorando de entendimento com o Ministério da Educação, o presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SINDEP) assevera, em entrevista exclusiva ao Asemanaonline, que só assinará o documento quando o governo assegurar garantias claras em resolver as reivindicações da classe. Além da possibilidade da convocação de uma greve nacional para pressionar o executivo de Ulisses Correia e Silva a resolver todas as pendências da classe. Jorge Cardoso anuncia que o seu sindicato ameaça bloquear o final do ano letivo, caso assim entender os professores. “Se os professores entenderem para bloquearmos o final do ano letivo, nós estamos à disposição deles. Se entenderem também fazer a avaliação e o bloqueio arranque do ano letivo, o SINDEP vai também apoiar tais ações, porque os professores é que decidem». É que, segundo explicou, as promessas feitas anteriormente pelo governo do MpD foram retiradas dos documentos finais, com destaque para o reajuste salarial, promoções automáticas e transições na carreira para os professores não licenciados. Confira mais detalhes sobre este dossier critico da educação em crise na entrevista que se segue com o líder do SINDEP.
Entrevista conduzida por Silvana Gonçalves/Redação
Como andam as negociações com o Ministério da Educação para se resolver as pendências dos professores, com destaque para o reajuste salarial?
- Relativamente a este aspeto concreto, que tem a ver com o reajuste salarial, nós tínhamos chegado a um entendimento com o Governo com o reajuste salarial na ordem dos 16%, para todos os professores, tomando como referência os professores licenciados, ou seja, professores de ensino básico ou secundário nível 1, portanto, que são professores que conferem grau de licenciatura. O que significa que o salário bruto passaria, a partir de 1 de janeiro de 2025, de 78.600$00 para 91.000$00. Arredondando dá praticamente um aumento de 16%, que seria aplicado a todos os outros níveis de professores. Temos monitores especiais, temos professores assistentes que apenas têm IP, que estão na categoria ES. São professores 7A, 7B, 7C. E temos ainda professores com bacharéis com referência a 8A, 8B e 8C. Daí que a todos esses níveis de professores, portanto, aplicaria essa percentagem para o reajuste salarial. Mas mais do que isso, também em ajustamento desse reajuste salarial, nós tínhamos chegado a um entendimento de promoções automáticas por tempo de serviço a pessoas que estão durante um certo período de tempo estagnadas na carreira. Ou seja, os professores que com 5 a 10 anos de estagnação numa mesma categoria, teriam uma promoção automática. De 10 até 15, teriam duas promoções automáticas. Os que têm mais de 15 anos, teriam três promoções. Foi isso que nos levou a chegar ao entendimento com o governo em termos de reajuste salarial para a classe docente- seria aplicável a partir de 1 de janeiro de 2025.
Os motivos da recusa da assinatura do acordo do governo
O que está na origem do impasse, que culminou com a recusa dos sindicatos em assinar o acordo?
- Nós estamos nessa negociação desde 2023. Mas consta do draft final que tem a ver com a regularização das pendências de desenvolvimento profissional, que eu já referi. Portanto, tinha uma data de entrada em vigor. Mas já no draft de entendimento que nos enviaram para ser assinado no dia 28 de junho, não aparece.
Mas houve recuo em relação às promoções, já que o novo documento do ME simplesmente diz o seguinte. “O governo compromete-se no processo de transição para o novo PCFR em regularizar as pendências de desenvolvimento profissional por via de promoção dos docentes, que vão transitar para o plano de carreira e funções de remuneração do pessoal docente através de provisão de normas transitórias no seguinte tempo. Até 31 de dezembro de 2004, os que tiveram, portanto, de 5 a 10, uma promoção.” Isto em vez de nos enviar um cronograma que aponte para a data da sua efetivação. Portanto, isso já é dúbio.
Mas o que nos levou, efetivamente para o que nós propusemos, quando recebemos o documento, respondemos de que só assinaríamos o acordo de entendimento com as datas precisas da execuçãõ dos compromissos, assim como foi o entendimento na mesa negocial. E um outro aspeto tem a ver também com as transições para os professores não licenciados. O que nós tínhamos chegado a acordo na mesa negocial é que haveria transições automáticas de todos os professores. Os monitores oficiais, que são professores 5C, transitavam para professores de 7A, ou seja, professor assistente de nível 1. Os professores assistentes 7 passavam para professores assistente 2, ou seja, 8A e estes transitavam para 9A, como professores licenciados. Não vi tudo isso transcrito no novo documento remetido aos sindicatos. E nós propusemos que tais propostas para todos os professores constassem no documento que iríamos assinar. No tocante ao reajuste salarial, na ordem dos 16%, propomos também que ficasse claro no documento, porque o governo colocou aqui, em termos de remuneração, índice 100 para os professores licenciados, de 91 mil escudos, para entrar em vigor e produzir efeitos a 1 de janeiro de 2025.
Pedido de demissão dos ministros envolvidos e falsidade do Governo
O Ministro da Educação alegou a falta de enquadramento legal para se contemplar no acordo as reivindicações dos mestres e doutores. O que tem a dizer sobre isso?
- Foi o governo que fez essa proposta, relativamente a mestres e doutores. Portanto, foi uma proposta de ludibriar os professores e não uma proposta séria. Isto porque desde 2023 até o dia 22 de maio de 2024, que era para assinarmos os drafts de entendimento, isso vinha num acordo. Mas desapareceu no dia 27 para 28 de junho.
Agora, perguntamos. O Governo, passou todo esse tempo sem ver isto? O gabinete do vice-primeiro-ministro, a senhora ministra da Administração Pública, que é jurista, e o sr ministro da Educação não têm assessoria para ver este caso?
Não há nenhum enquadramento ilegal relativamente ao caso dos mestres e doutores. Mas há enquadramento ilegal na falsidade do Governo, na pessoa do senhor ministro da Educação.
Esses membros do Governo deveriam pedir desculpas a todos os professores e a toda a sociedade cabo-verdiana e demitirem-se em bloco. Porque para governantes já demonstraram que não têm conteúdo. Estamos a negociar desde 2023 até a data de hoje e a proposta é do Governo que vem agora dizer que ela não tem enquadramento legal. Isso fica muito mal para o Governo.
O que é que andaram a fazer com esses professores? A ludibriar os professores. E mais do que isso, veio agora misturar tudo. O ministro da Educação veio dizer que nós temos mestres, que são dirigentes sindicais. Temos sim, mas qual é a ilegitimidade ou ilegalidade nisso? Ele veio também misturar tudo isso com questões políticas. Portanto, em vez de assumir a sua responsabilidade, o ministro foge completamente dela, dizendo que temos agentes sindicais com grau de mestres e doutores na direção e misturar as organizações sindicais com partidos políticos.
Caso de mestres e doutores e resposta do SINDEP sobre acusação de interferência política
Aliás, o ministro falou na possibilidade de interferência político-partidário no processo negocial.
- Isso é falhanço, é fracasso. Quando as pessoas não têm argumento tentam impor. Porque só as pessoas fracas é que tentam fazer a imposição.
Ou seja, quando as pessoas fracassam, não têm resposta. O senhor ministro não está em condições de governar enquanto ministro da Educação. Não tem resposta para dar à classe docente. Foge das suas responsabilidades e atribui a responsabilidade dele a outros, mais concretamente a dirigentes sindicais.
Quando ele tentou levar-nos, em representação do Governo, um documento adulterado, incompleto e não o assinamos, já que não somos meninos de mandado de nenhum partido político - nem da situação nem da oposição. Fazemos sindicalismo com honestidade e seriedade. Isto contrariamente ao que acontece com este Governo, na pessoa do Sr. ministro da Educação. Creio que ele não está em condições de conduzir a negociação enquanto titular da pasta da Educação. Foi infeliz na altura quando os sindicatos apresentaram proposta de equiparação salarial de 107 mil escudos.
Mas o que ele disse?
- Disse que esse montante salarial somando para todos os professores dava para fazer o aeroporto da sua ilha de Santo Antão ou então fazer um hospital central que prometeram aos cabo-verdianos. Portanto, ele tem sido muito infeliz nas suas comunicações e não deveria estar à frente do Ministério da Educação para representar os professores, porque não defende a classe. Está lá para defender o seu Governo e defender a sua pessoa. Os professores não querem ouvir mais as conversas desse senhor. Ele deveria pensar, repensar e pedir a sua admissão.
Impasse e novas formas de luta
A persistir o impasse, que formas de luta o SINDEP poderá adotar para fazer valer os direitos dos professores?
- Quando nós fizemos o levantamento do pré-aviso da greve, não significa que suspendemos a luta. Fizemos uma suspensão, sim. Mas não é que a luta terminou, porque a luta sindical é dinâmica. E nós temos consciência disso. Só que, durante este período, levamos as propostas à mesa de negociação, com a mediação da Direção-Geral do Trabalho. Uma delas tinha a ver com o pagamento dos subsídios pela Não-Admissão de Carga horária, que, o segundo Sr. ministro me tinha dito na mesa negocial, que não está no orçamento de 2024, mas que a previsão é a verba estar inscrita no OGE de 2025. Mas nós dizemos que não. Se não há pagamento dos subsídios este ano, avançaremos com a greve geral.
Entretanto, os professores é que fazem a greve. É claro que quem legitima as lutas dos professores são os sindicatos. E o SINDEP, enquanto maior representante da classe com mais de 50% dos docentes nacionais inscritos nas suas fileiras como sócios, tem, portanto, essa responsabilidade de protagonizar esta luta laboral dos docentes.
Propostas levadas para negociações
Que proposta de reajuste salarial levaram para mesa negocial?
- Nós levamos para mesa de negociações uma proposta do reajuste salarial que seria de forma faseada: Julho de 2024, janeiro de 2025 e janeiro de 2026. Mas o governo levou, de uma assentada, a proposta de aumento para janeiro de 2025, no valor de 91.000$00.
Fazendo a análise entre os pró e contras, contactamos as nossas estruturas, porque nós temos cinco secretariados regionais, além da sede nacional. Temos ainda os dirigentes em todos os concelhos de Cabo Verde. Todos foram ouvidos sobre aquilo que o governo propôs com o qual concordaram. Por isso, o SINDEP mandou desconvocar a greve geral que tinha sido anunciada. Considero, portanto, que a proposta em causa foi só de fachada, porque não houve seriedade por parte do Estado. O governo e o Ministério de educação agiram de má fé, já que o queriam de fato é que a greve fosse suspensa. Porque, depois daí, vieram apresentar um documento que não tem nada a ver com aquilo que foi socializado na mesa negocial com os sindicatos. O governo não tem que fugir das suas responsabilidades. Eu defendi desde a primeira hora que cabe ao governo a responsabilidade de conduzir esse processo.
Se os professores assim entenderem, nós temos os alunos de 9º a 11º e os outros alunos para serem avaliados para a transição ou não. Os alunos de 12º já fizeram as suas provas gerais. Eu não sei, contudo, se neste momento as avaliações destes já estão feitas ou não. Mas, de todo modo, nós temos as restantes classes. Nós não podemos estar a pensar apenas nos alunos de 12º. Ainda se os professores entenderem para bloquearmos o final do ano letivo, nós estamos à disposição. Ou se entenderem também fazer a avaliação e o bloqueio no final do ano letivo, vamos também apoiar, porque os professores é que decidem.
E nós vamos enviar até esta terça-feira, todos os gráficos de entendimento que conseguimos desde 2023 até agora para os professores analisarem. Vamos sublinhar as partes onde fizeram as alterações para ser mais fácil os professores consultarem. Isto de modo que todos os professores, em especial os associados do Sindep, saberem as razões que levaram a não assinatura do acordo.
Apelo para greve ou bloqueio do ano lectivo
- Que apelo deixa aos professores neste momento de muitos desafios da classe ainda por vencer?
Sempre apelamos aos professores para estarmos juntos, coesos, unidos e à volta da nossa organização que sempre defendeu os seus interesses. Porque todas essas reivindicações que hoje os professores têm em pauta, vêm de um estatuto de 2004 que foi o Sindep que esteve na sua negociação e também de um trabalho que veio do estatuto, ainda em vigor, de 2015. Apelamos ainda no sentido de estarmos unidos e coesos e evitarmos inclusive determinadas deturpações e influências por parte de quem quer que seja.
Neste momento, temos professores que estão a incorrer processos indisciplinares devido ao não lançamento das notas do segundo trimestre. Estamos a dar cobertura jurídica a todos eles, embora não tenha sido uma iniciativa dos Sindep. O ME, através da Inspeção Geral, está a propor a suspensão desses professores. Nós queremos solidarizar com esses docentes e não só e dizer que estamos cientes que será um processo em que o ME sairá a derrotado, por estar a ser conduzido de forma incorreta. Mas vamos aguardar com serenidade o seu andamento. Se não chegarmos a um entendimento justo nesta fase, tem o lugar próprio para se resolver o conflito laboral, que é o tribunal.
Esperamos uma reação rápida dos professores em relação ao nosso apelo sobre as novas formas de luta a se adotar, porque estamos a aproximar do final do ano letivo. Precisamos saber urgente se teremos que aguardar para o arranque do novo ano letivo ou se teremos que avançar de imediato com a nova jornada de luta sindical. Se os professores entenderem que sim, eu não tenho nenhum problema de anunciar, o mais rápido possível, uma greve a nível nacional, abrangendo a todos os níveis de ensino em Cabo Verde, obrigando assim o Governo a arrepiar caminho e ser mais honesto e agir de boa fé para com a classe docente nacional.
O SINDEP comunicou a rejeição da proposta do Ministério da Educação no dia 29 de maio e aguarda agora que as pendências sejam resolvidas pelo Governo. Acusa ainda o executivo de Ulisses Correia e Silva de agir de má fé e de não cumprir os acordos negociados com os diferentes sindicatos do sector da Educação.
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