O resultado eleitoral do Chega é absolutamente retumbante. E uma frase de Ventura absolutamente perturbante.
O discurso de ódio precede o curso do ódio. Precede a perseguição aos que pensam diferente – políticos, académicos, jornalistas, depois empresários ou funcionários públicos. Precede as fobias – aos imigrantes, aos trans, aos bi, aos gay. Isto não é wokismo, é outra coisa. São os direitos das mulheres, por exemplo, que irão sempre retroceder perante os bárbaros. Esses são, temo, os sinais. Os insultos das redes sociais estão a sair à rua. Estão no Parlamento quando deputados do Chega insultam mulheres que se pintam ou se vestem de saias curtas. Estão na campanha quando se grita a mulheres "se quiseres vou aí a cima metê-lo à força!”. Ou os "levas no focinho”.
“Eles ainda não viram nada.”Foi um momento glaciar no discurso de vitória. André Ventura referia-se à acusação de Pedro Nuno Santos, minutos antes, de que a extrema-direita está mais agressiva, violenta e mentirosa. Ventura não ridicularizou, não negou, não desviou. Focou os olhos em pássaro e deu a voz em frente. “Eles ainda não viram nada.”
Não foi só o bipartidarismo que acabou este domingo, com a enorme vitória do Chega, que passou o PS a ferro. Foi também o discurso do Chega. Porque esta frase é a legitimação do que, já existindo, não era publicamente caucionado ou instigado por Ventura. Sim, a violência.
A vitória de Donald Trump nos EUA provocou uma mudança brutal no mundo, de tal forma avassaladora que ainda estamos no princípio de uma luta das pedras. A grande mudança começou no perdão dos ataques ao Capitólio: um grupo de criminosos detidos pela polícia e condenados por juízes, numa tentativa de golpe de Estado que esteve perto de ser uma chacina, foi perdoada e nesse perdão a lei e a justiça foram dobradas. Seguiu-se a perseguição de jornalistas, de académicos, de livres-pensadores. E o contágio a outros países.
Portugal é um deles. Como se costuma dizer, os eleitores do Chega não são todos fascistas nem racistas – e não são todos violentos. Mas há uma franja de “ultras” que hoje se sente mais livre para o grito e para a agressão. Isso viu-se e ouviu-se na campanha: intimidação, ameaças, agressividade. O que se segue?
“Eles ainda não viram nada.”
A razão pela qual o Chega não é comummente considerado um partido fascista é precisamente por não fazer a apologia da violência. Estas declarações de André Ventura, que normalmente tempera os ímpetos mais destruidores, depois de um crescimento já visível da agressividade verbal e até física, pode estar a abrir um novo capítulo de um país que se concebe como tolerante e aberto à diferença de opinião.
Este texto não é moral: o Chega teve um resultado inapelável nas eleições. É responsabilidade do seu líder estar à altura desse enorme resultado e do mandato claro dos portugueses, concretizado provavelmente em seis dezenas de deputados. Não é isso que está em causa, mas sim o tipo de sociedade em que nos queremos ou não deixar transformar.
O discurso de ódio precede o curso do ódio. Precede a perseguição aos que pensam diferente – políticos, académicos, jornalistas, depois empresários ou funcionários públicos. Precede as fobias – aos imigrantes, aos trans, aos bi, aos gay. Isto não é wokismo, é outra coisa. São os direitos das mulheres, por exemplo, que irão sempre retroceder perante os bárbaros. Esses são, temo, os sinais. Os insultos das redes sociais estão a sair à rua. Estão no Parlamento quando deputados do Chega insultam mulheres que se pintam ou se vestem de saias curtas. Estão na campanha quando se grita a mulheres "se quiseres vou aí a cima metê-lo à força!”. Ou os "levas no focinho”.
Espero estar enganado. Espero vir aqui em breve reconhecer o meu erro. Mas André Ventura está diferente. Está mais messiânico, mais radical, mais autocentrado na sua predestinação; ele identifica adversários como inimigos e inimigos como alvos – e tem mais poder em mãos. Mais de 1,3 milhões de votos.
Na música “O Superman” - título que remete para os “sobrehomens” de Nietzsche, o filósofo desvirtuado e apropriado para consumo de ditaduras purificadoras -, Laurie Anderson canta esta frase:
"Quando o amor se vai, fica a justiça. E quando a justiça se vai, sobra a força."
Estamos a entrar na era da força. Do empoderamento já não das mulheres nem das liberdades conquistadas, mas dos brutos. Uma era de controlos e de distanciamentos, de confronto entre poder e autoridade, entre política e instituições, entre a raiva e o medo. Ave Ventura, aqueles que vão morrer saúdam-te.
“Eles ainda não viram nada.”
A Semana com CNN Portugal
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