Nos últimos 50 anos, a agricultura na ilha do Fogo passou por uma profunda metamorfose e de um modelo frágil e de subsistência para uma agricultura mais resiliente e voltada para o mercado, segundo opinião técnica.
O não funcionamento do centro pós-colheita com contentores frigoríficos e equipamento para calibragem que poderia melhorar na comercialização, mas não funciona por falta de gestão é outro desafio desabafou Neves para quem é fundamental apostar mais na fruticultura e aproveitar o potencial que existe em Chã das Caldeiras, Montinho e Bordeira que tem vocação e condições para desenvolver fruticultura de sequeiro.
Impulsionada pela resiliência e fertilidade dos solos, a agricultura passou por profundas transformações e do sistema frágil e dependente das chuvas progrediu para um modelo mais diferenciado, marcado pela valorização de produtos, apesar dos desafios climáticos e escassez hídrica constituem obstáculos à plena sustentabilidade.
Antes e após a independência, a agricultura enfrentou secas prolongadas e a produção era basicamente de subsistência: milho, feijões, abóbora e batata-doce, cultivados em regime de sequeiro, mas hoje a paisagem agrícola é diferente da de há 50 anos.
O que antes era ocupado por campos de milho, feijões e batata-doce, deu espaço a fruteiras e áreas irrigadas devido ao esforço de técnicos e dos agricultores que se adaptaram às condições difíceis para garantir segurança alimentar e mais rendimento.
Sobre os 50 anos da agricultura na ilha, a Inforpress conversou com David Gomes Monteiro, mais conhecido como Neves, técnico profissional reformado do Ministério da Agricultura, e Bernardino Gonçalves de Barros, doutor em agronomia e que em tempo foi director regional do Ministério da Agricultura.
“Em 1975 o que existia era agricultura de sequeiro: milho, feijão, abóbora, batata-doce e batata-inglesa. A fruticultura e regadio eram quase inexistente”, referiu David Gomes Monteiro, que sublinhou que em Chã das Caldeiras começou o fomento da fruticultura nos anos 80 com apoio da cooperação alemã e com introdução de boas variedades de plantas, através do projecto integrado para as ilhas do Fogo e Brava.
A fruticultura, acrescentou Neves, ganhou força e passou a ocupar terrenos antes dedicados às culturas de sequeiro e dependente da chuva. Em Chã das Caldeiras a produção de fruteira cresceu no regime de sequeiro, mas também em áreas com solos vulcânicos ricos como Cabeça Fundão, Montinho e Bordeira exterior.
David Gomes Monteiro, que foi responsável pela área de fruticultura na ilha de 1991 a 1994, salientou que “a videira adapta-se até aos 2.500 metros de altitude” e que toda a encosta da Bordeira tem excelentes condições para fruticultura, e sublinhou que Montinho, por exemplo, tornou-se uma das maiores produtoras de frutas da ilha, superando até Chã das Caldeiras em extensão.
"Temos um microclima único, com precipitação oculta e solos que armazenam humidade. As plantas entram em dormência no Inverno e rebrota na Primavera", explicou.
Segundo o agrónomo, ainda existem obstáculos, como escassez de mão-de-obra e a concorrência do turismo que atrai mais os jovens, e apontou que para atrair trabalhadores para a agricultura é necessário oferecer salários competitivos, refeições e transporte.
O não funcionamento do centro pós-colheita com contentores frigoríficos e equipamento para calibragem que poderia melhorar na comercialização, mas não funciona por falta de gestão é outro desafio desabafou Neves para quem é fundamental apostar mais na fruticultura e aproveitar o potencial que existe em Chã das Caldeiras, Montinho e Bordeira que tem vocação e condições para desenvolver fruticultura de sequeiro.
Já Bernardino Gonçalves de Barros, com uma trajetória que vai dos campos de cultivo familiares em Ponta Verde, às salas de aula em Boston e aos laboratórios de agronomia na Alemanha, afirmou que no Fogo a agricultura passou de subsistência para um modelo intensivo e comercial.
“Em 1975, a agricultura era extensiva e dependente das chuvas com cultivos predominantes de milho, feijão (bongolon, fava) em grandes áreas, com baixa produtividade. A área irrigada era quase inexistente, excepto pequena parcela nos Mosteiros (Fajãzinha)”, disse o agrónomo, para quem a evolução começou com a intervenção do Ministério da Agricultura, através dos extensionistas rurais, que actuaram como elo entre políticas públicas e agricultores.
"Não quero dizer que a agricultura mudou radicalmente, porque radical é uma palavra muito forte, mas mudou bastante", disse o doutor em agronomia para quem isso foi possível devido ao papel dos extensionistas na capacitação dos agricultores com novas práticas, tecnologias e conhecimentos.
“A agricultura intensiva hoje domina o cenário agrícola do Fogo. Em vez de semear hectares de milho e fava, os produtores preferem culturas de maior valor comercial”, referiu a mesma fonte, apontando como exemplo a produção de bananas, mangas, hortaliças e leguminosas, assim como o crescimento da pecuária com produção de queijo em escala suficiente para abastecer outras ilhas.
Apesar de não dispor de dados exatos, Bernardino Gonçalves de Barros acredita que o Fogo produz bananas suficientes para as suas necessidades e inclusive já começou a “exportar” para outras ilhas.
"Hoje, as pessoas produzem pensando directamente no mercado. O agricultor quer colher e vender, ter rendimento", explicou o agrónomo, que lembrou que o problema da ilha não é terra, mas sim água, assim como a necessidade de formação contínua e em exercício dos agricultores.
Um dos casos de sucesso agrícola é o da vitivinicultura. Em 1975 o vinho era artesanal e de baixa qualidade, mas hoje o cenário é diferente, graças a criação da Associação dos Vitivinicultores de Chã das Caldeiras e a construção da adega e com apoio na área de formação em enologia.
"A partir do momento em que os produtores sentiram que as uvas seriam aproveitadas e transformadas em vinho de qualidade, ganharam confiança e começaram a produzir mais", relembrou o agrónomo para quem, actualmente, há potencial para dobrar a produção de vinho, desde que sejam criadas as condições técnicas e de mercado.
Segundo o mesmo, primeiro deve-se incentivar a exploração de cultivo da vinha em Chã das Caldeiras que tem garantia de produção e depois expandir para outras áreas com potencial para produzir esta espécie e outras frutas como manga, caju.
Em 50 anos, os agricultores transformaram a terra árida e instável num laboratório de inovação e resiliência, fazendo florescer uma economia que honra as suas raízes e olha com ambição para o futuro.
A Semana com Inforpress
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