Os realizadores de “Por ti, Portugal, eu juro!”, o filme que entra na quinta-feira no circuito comercial português, consideram que Portugal faltou ao compromisso que assumiu com centenas de guineenses que combateram em sua defesa na Guiné-Bissau.
O 25.º ponto do anexo do Acordo de Argel, assinado em 26 de agosto de 1974 por delegações de Portugal e do Comité Executivo da Luta do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), era claro quanto às obrigações assumidas por Portugal: “O Governo Português pagará ainda as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tenham direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às forças armadas portuguesas”.
“Por ti, Portugal, eu juro!”, de Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso, vencedor do Prémio do Público na última edição do DocLisboa, dá voz aos comandos africanos da Guiné-Bissau, que se dizem traídos por Portugal e contam pela primeira vez a sua história.
“O que o Estado português deveria fazer era cumprir as promessas que fez quando assinou o Acordo de Argel”, em que reconhece a independência da Guiné-Bissau e se responsabiliza pelo pagamento das pensões de reforma, sangue e invalidez a todos os guineenses que combateram integrados no exército colonial, diz à Lusa Sofia da Palma Rodrigues.
O 25.º ponto do anexo do Acordo de Argel, assinado em 26 de agosto de 1974 por delegações de Portugal e do Comité Executivo da Luta do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), era claro quanto às obrigações assumidas por Portugal: “O Governo Português pagará ainda as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tenham direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às forças armadas portuguesas”.
“Estas pensões nunca foram pagas. O que deveria ser feito é, na verdade, cumprir-se aquilo que está assinado e que é uma dívida”, frisa.
Os comandos africanos foram uma unidade de elite unicamente composta por soldados negros, criada em 1971 pelo então governador António de Spínola.
Os guineenses nestas condições eram obrigados a cumprir o serviço militar obrigatório no Exército português e como conheciam bem o terreno foram “uma arma essencial” contra a guerrilha do PAIGC, que uma vez no poder ajustou contas com número indeterminado deles, prendendo-os, na melhor das hipóteses, com a alternativa a ser a eliminação física.
Diogo Cardoso recorda uma passagem do filme, em que um dos entrevistados resume bem a forma como Portugal usou em seu proveito estes comandos africanos: “Ele diz: ‘quando cresces na mão de alguém, tu acreditas que aquilo que essa pessoa te diz é verdade’”.
As dificuldades de Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso para realizarem este filme foram sentidas sobretudo em Portugal.
“O trabalho logístico na Guiné-Bissau foi, na verdade, muito mais fácil do que o trabalho de logística em Portugal, porque não é a Guiné-Bissau que tem um registo destas pessoas. Quem deveria ter e quem tem o registo destes nomes é o exército português, porque foi para o exército português que estas pessoas combateram”, frisa Sofia da Palma Rodrigues.
O primeiro passo foi ir ao arquivo histórico-militar e ao arquivo do exército e num primeiro momento disseram-lhes que não havia nada, que tinha ficado tudo na Guiné-Bissau.
“Foi em Portugal, no arquivo pessoal de um dos comandos africanos, que tivemos acesso a uma lista de cerca de 550 nomes daqueles que tinham sido os homens que constituíram as três companhias de comandos africanos da Guiné”, recorda Sofia da Palma Rodrigues.
“Fomos para Bissau, fizemos o trabalho natural de um jornalista que foi chegar e começar a fazer perguntas e a perceber se havia alguém que conhecia alguém. E, na verdade, foi muito simples, porque quase toda a gente tinha alguém na família que tinha combatido no exército português e a partir daí chegava aos comandos”, acrescenta a realizadora.
De novo em Portugal, Sofia da Palma Rodrigues conta que no regresso ao arquivo histórico-militar, conseguiram encontrar dois elementos importantes: registos fotográficos da existência dos comandos e o comprovativo de que tinham descontado na altura para a Caixa Geral de Aposentações.
Ou seja, tinham direito a uma reforma como qualquer um de nós, que desconte para a segurança social”, explica.
Portugal continua sem resolver a questão e, para pelo menos um terço dos que falaram com os dois realizadores, o tempo deixou de contar.
Diogo Cardoso considera que “uma das grandes importâncias deste documento ou deste filme, é exatamente cristalizar no tempo uma história importante e uma história que está fora da narrativa oficial portuguesa e da narrativa oficial guineense, sobre um grupo de homens que acabou por ser esquecido dentro de um processo histórico e acabamos por chegar a essa história no momento exato em que grande parte dessas pessoas estava doente, estava a morrer”.
Julião Correia é um deles. Morreu em outubro de 2017, com 75 anos, poucas semanas depois de ter sido entrevistado em Bissau.
“Não foi apenas o Julião. Dos homens todos que entrevistámos, que nós tenhamos conhecimento, um terço deles já faleceu. E, por isso, era aquele tipo de histórias que ou era retratado nesta altura ou corria o risco de realmente desaparecer sem ser contada e isso torna este filme também premente e uma temática premente a ser contada neste momento”, sublinha o realizador.
Após a entrada no circuito comercial, “Por tu, Portugal, eu juro!” vai percorrer o circuito dos festivais.
Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso são jornalistas da revista digital de jornalismo narrativo Divergente (www.divergente.pt), que produz o filme.
A Semana com Lusa
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