O antigo governante José Tomaz Veiga lança, no próximo dia 05 de Junho, o livro “Cabo Verde na encruzilhada da independência: Memórias de um tempo conturbado”, dedicado aos jovens de Ponta Belém.
Esta obra é lançada a um mês de Cabo Verde completar 50 anos como país independente, ou seja, 05 de Julho de 1975, e é dedicado a esses jovens que foram “os primeiros a acender o rastilho em Abril de 74 e os primeiros a ser esquecidos”.
Outrora político de proa que abraçou as causas da independência nacional, hoje, José Tomaz Veiga diz que está fora da política activa e nunca esteve no seu plano pessoal estar eternamente nesta actividade.
Quando se lhe pergunta se acha que a atribuição do estatuto de Combatente da Liberdade da Pátria é um acto de justiça, responde com a simplicidade que lhe é peculiar: “Bem, a questão é simples. Eu participei [no processo da independência nacional] e pronto”.
A propósito do seu livro, entende que, no momento em o país está a comemorar os seus 50 anos, pareceu-lhe ser “uma boa ideia deixar algum testemunho de um tempo relativamente curto, que vai de Abril a Dezembro de 1974 e foi um período, de facto, bastante conturbado”.
Na sua perspectiva, as pessoas que viveram em Cabo Verde, nessa altura, sabem que foi um período “bastante conturbado”, no sentido de muita movimentação e “problemas sérios”.
“Estávamos numa situação de incerteza aqui em Cabo Verde e eu vivi esse período intensamente, de modo que quis deixar, ‘just for the record’, como se costuma dizer”, frisou José Tomaz Veiga, acrescentando que o escrito se baseia na memória dele da época.
Segundo ele, quis deixar um testemunho pessoal, não só de factos que ocorreram na altura, como também da forma como os encarou antes e agora.
Faz questão de realçar que no livro manifesta o ponto de vista pessoal dele sobre situações que vivenciou na época.
Na obra, além do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o autor refere-se ainda a dois partidos então existentes: A União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV) e a União Democrática Cabo-verdiana (UDC).
A UPICV tinha alguma expressão no país, sobretudo no interior da ilha de Santiago, enquanto a UDC se confinava a São Vicente.
A intenção dessas forças políticas, no dizer de José Tomaz Veiga, era batalhar e ter algum impacto no processo da independência de Cabo Verde.
Entretanto, acrescentou, os dirigentes desses partidos viram gorados os seus objectivos, a partir do momento em que foram presos e enviados para a prisão no Tarrafal, tendo vários deles sido deportados para Portugal.
“Ainda hoje há quem defenda que outras forças políticas poderiam ter participado nas eleições de [30] Junho de 1975, previstas no acordo assinado pelo Governo português e o PAIGC”, escreve José Tomaz Veiga.
Em Setembro de 1973, por determinação do PAIGC, o então estudante universitário em Portugal regressou a Cabo Verde para ajudar no processo da independência do país.
Na cidade da Praia, onde se registaram muitas escaramuças e confrontos entre jovens e uma facção das forças militares portuguesas associadas ao Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola, criada na sequência do golpe de Estado de 25 de Abril, José Tomaz Veiga fez-se sempre presente.
Ainda, hoje, apresenta a cicatriz de um ferimento que recebeu na cabeça por parte de um militar que quase lhe fez desmaiar.
Segundo ele, além de Spínola, grande parte dos dirigentes portugueses de então, inclusive Mário Soares, que mais tarde viria a ser Presidente da República Portuguesa e Almeida Santos, presidente da Assembleia da República, se mostravam relutante em relação à perspectiva da independência de Cabo Verde.
O então jovem José Tomaz Veiga participou, também em 1974, no desembarque clandestino, em Santiago, das primeiras armas e munições que o PAIGC mandou para Cabo Verde.
O primeiro desembarque, explica, ocorreu numa das praias secundárias de Praia-Baixo e foi coordenado por uma equipa liderada por João Pereira Silva, que havia chegado à cidade da Praia, enquanto o segundo se realizou na praia de Malhoada, próxima da capital. Os dois desembarques ocorreram em dias diferentes.
Estes equipamentos de guerra foram depositados na propriedade de Alfredo Veiga, pai de José Tomaz Veiga e, mais tarde, num armazém cedido pelo tio Carlos Albertino Veiga, também em Praia-Baixo.
“As armas chegaram de madrugada no navio Ocante. Como era de se esperar, ocorreram alguns contratempos”, revelou o entrevistado da Inforpress, afirmando que algumas munições caíram ao mar durante a descarga, mas “foram rapidamente recuperadas”.
Entretanto, prossegue, o incidente mais complicado com o desembarque do armamento aconteceu quando, após o carregamento de um grande camião, com capacidade para cerca de dez toneladas, este ter ficado atolado na areia.
Diante desta situação de atolamento, saíram em desespero de causa. Lá conseguiram tirar a viatura, depois de alguém ter sugerido que colocassem pedras debaixo das rodas e os dez presentes no desembarque juntaram forças enquanto o condutor acelerava.
Quando conseguiram resolver o problema do atolamento, eram cerca das seis da manhã, com o sol a despontar.
“Se alguém passasse e visse, podia eventualmente informar as autoridades e as coisas poderiam complicar-se para nós”, assegurou Tomaz Veiga, para quem tanto no caso de Praia-Baixo, como no de Malhoada, bem perto da Praia, tiveram sorte.
Em relação ao último, a embarcação de borracha teve uma avaria no motor e ficou à deriva, obrigando o “Ocante” a fazer uma manobra de recurso para a recolher.
“Hoje, eu admiro que as autoridades não tivessem dado conta [desses desembarques]”, indicou José Tomaz Veiga, lembrando que, no fim, andaram por aqui todos armados, “não de forma ostensiva, mas andávamos armados”.
Admite, porém, que, a partir de uma certa altura, as autoridades militares portuguesas “provavelmente estariam ao corrente” do que estava a acontecer no concernente ao desembarque das armas.
Perguntado se as autoridades portuguesas quiseram colaborar no desembarque das armas, respondeu: “Não será bem isso. Pelo menos, deverão ter tido algum entendimento, penso eu, com os dirigentes superiores do PAIGC que já cá estavam, no sentido de que as armas existem, mas vocês vejam lá…”
“De facto, não houve nenhuma tentativa da nossa parte de utilizar as armas contra as forças portuguesas, pelo menos a partir de Outubro, depois da chegada do Pedro Pires”, indicou José Tomaz Veiga.
Apesar de muitas pistolas, espingardas e munições nas mãos das pessoas, o antigo governante congratula-se com o facto de não ter havido casos de morte provocados pelas armas, excepto o da morte do jovem Gustavo Monteiro, em Santa Catarina, mas foi acidental.
Segundo José Tomaz, esta morte afectou a todos os camaradas de então.
“Um colega estava a limpar a arma e, sem verificar que a bala estava na câmara, esta disparou fatalmente contra o Gustavo”, assegurou José Tomaz, acrescentando que a pessoa que disparou nunca mais se recompôs, apesar de ter sido enviado ao exterior para tratamento.
No livro, o autor realça o papel “determinante” que teve João Pereira Silva no sentido de levar Cabo Verde à independência, sobretudo a participação dele em actividades na ilha de Santiago e a nível nacional “ainda que muitos não lhe reconheçam este mérito”.
Além de João Pereira Silva, reconhece, também, o mérito de José Luís Fernandes Lopes (Djidjé) na movimentação que ocorreu em Santiago a favor da independência nacional.
José Tomaz Veiga figura entre os primeiros deputados à Assembleia Nacional Popular (ANP) eleitos em 1975. Foi secretário de Estado das Finanças. Em 1979, deixou o governo, assim como as fileiras do PAIGC. Podia retomar o seu lugar de deputado, mas não quis, porque, conforme sublinhou, as condições não eram propícias para que tal acontecesse.
“Na altura, achei que não valia a pena”, realçou, a propósito de ter deixado a ANP.
À pergunta por que razão deixou a vida política activa, José Tomaz Veiga responde: “Pode parecer um bocadinho estranho dizer isso, mas eu nunca gostei muito de estar na política. Envolvi-me por causa da questão da independência, depois mais tarde vim-me envolver por causa do processo democrático em Cabo Verde”.
Para ele, “só o uso da força impediu que sensibilidades diferentes do PAIGC se apresentassem a escrutínio dos eleitores”.
A Semana com Inforpress
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