Analistas angolanos desafiaram hoje o Presidente, João Lourenço, a assumir que há fome no país e que não vai alterar a Constituição para se manter no poder, pedindo um discurso à Nação “aberto para a democratização do país”.
O Presidente de Angola, João Lourenço, apresenta terça-feira o seu discurso sobre o Estado da Nação, a ser proferido na abertura do terceiro ano (2024-2025) da V Legislatura da Assembleia Nacional em cumprimento do disposto na Constituição angolana.
Para os analistas Paulo Inglês e Albino Pakisi, nesta mensagem à Nação, João Lourenço deve reconhecer que a fome no país está a “desestruturar famílias, que se socorrem do lixo para sobreviver”, e anunciar que não fará uma alteração constitucional para se manter no poder.
“A situação social [do país] continua crítica neste momento. Há pessoas a passar fome e são esses os pontos que o Presidente da República deveria falar na sua comunicação, e, depois, também tornar claro que não haverá terceiro mandato e que não vai mexer na Constituição da República de Angola (CRA), isso também o Presidente [da República] deveria falar”, afirmou o sociólogo Paulo Inglês.
Falando à Lusa sobre as suas expectativas em torno do discurso de João Lourenço sobre o Estado da Nação, agendado para 15 de outubro, Inglês disse que o chefe do executivo angolano deverá apresentar uma súmula das realizações do Governo “sem qualquer análise profunda sobre a situação do país”.
João Lourenço “vai querer justificar, dizendo que teve algumas iniciativas legislativas e algumas medidas económicas e vai dizer que estas estão a dar resultados, mas não são visíveis, acho que essa será a linha do seu argumento”, referiu o analista social.
Paulo Inglês lamentou a atual situação socioeconómica do país, pedindo “clareza” no discurso do Presidente angolano em torno da política económica, que diz não estar a funcionar, pois a “inflação não baixou e o kwanza [moeda nacional] continua em queda”.
“O Presidente da República vai querer embandeirar a questão do salário mínimo nacional, mas já vimos que aquilo foi um truque que foi usado, porque, de facto, o salário mínimo não aumentou, foram apenas acréscimos aos subsídios que davam aos trabalhadores”, indicou o também docente.
A política social do Governo angolano “está a ser um fracasso total”, afirmou, por sua vez, Albino Pakisi, que espera que o Presidente angolano “assuma, de uma vez por todas, que o país está com dificuldades sociais e que as famílias estão a passar fome”.
“Temos crianças e famílias a comerem nos contentores de lixo, portanto, mais do que o Presidente da República dizer que a fome é relativa, tem de assumir que a fome não é relativa para se encontrar soluções”, notou.
“Nós nem sequer no tempo de guerra tínhamos a situação social que temos hoje, de famílias desestruturadas, que passam fome, que ocupam contentores de lixo. Do ponto de vista social, o Governo está a ser um fracasso total, mesmo com todos os programas sociais que tem. É preciso assumir isso para que se possa reconhecer e corrigir com os dados”, insistiu.
Pakisi defendeu também, em entrevista à Lusa, que o chefe de Estado angolano deve apresentar as perspetivas do país para o triénio 2025-2027, porque a situação económica do país “é grave, com pequenas, médias e grandes empresas em situação de falência, empobrecendo cada vez mais as famílias”.
O analista, teólogo e filósofo afirmou esperar ouvir um discurso aberto para a democratização de Angola, salientando que o país tem aprovado “leis draconianas, que são piores que nos países ditatoriais”, como a lei que criminaliza o vandalismo de bens públicos com penas até 25 anos de prisão.
“Era bom que o Presidente [da República] se pronunciasse sobre isso”, advogou, lamentando constatar “algum recuo da democracia interna” do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido no poder), que “também afeta o país”.
Porque, “se o MPLA não é um partido democrático, não vai aceitar democracia para o nosso país, isso nos assusta. Era também importante que o Presidente falasse sobre liberdades”, lamentou.
“Angola está a ser um país onde uma parte considerável de jovens, considerados 'revús' [como são chamados os cidadãos críticos do Governo], estão a fugir do país e alguns estão detidos e o Presidente da República não pode fazer ouvidos de mercador perante esta situação, que mancha a sua reputação”, concluiu Albino Pakisi.
A Semana com Lusa
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