O ano de 2024 foi marcado por um aumento significativo de conflitos armados em todo o mundo, com consequências devastadoras para milhões de pessoas. O próximo ano tem algumas ameaças à espreita.
Ao todo, os investigadores estimam que o número total de baixas desde o início do conflito situa-se em 82.050. Bem mais abaixo das estimativas do Reino Unido, que acreditam que a Rússia perdeu 768 mil soldados, entre mortos, feridos, capturados e desaparecidos, desde o início da guerra. O elevado número de perdas motivou Moscovo a aumentar campanhas de recrutamento no estrangeiro, tendo beneficiado da cooperação com a Coreia do Norte para trazer mais de dez mil norte-coreanos para lutar no seu país.
Mais conflitos, mais países envolvidos e mais vítimas. O ano está prestes a acabar, mas as perspetivas de um mundo mais pacífico estão cada vez mais sombrias. O ano de 2024 viu o planeta atingir o maior número de conflitos armados desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a guerra na Ucrânia e a guerra no Médio Oriente a serem responsáveis pela maior parte do número de mortos. Ainda assim, as tensões não param de aumentar e, noutras partes do mundo, existem conflitos à espreita a que deve estar atento porque podem alastrar-se e tornar-se muito maiores.
Existem, neste momento, 56 conflitos armados ativos em todo o mundo. No entanto, estes variam em dimensão e em definição. Por um lado, existem guerras de larga escala, como a invasão russa da Ucrânia, a guerra civil sudanesa ou a crise no Médio Oriente, onde dezenas de milhares de pessoas perderam a vida. Mas existem também conflitos de menor escala, mas extremamente violentos, como o combate ao Cartel de Sinaloa, no México, a Insurgência no Magreb e no Sahel, e a guerra civil no Myanmar.
Atualmente, 92 países estão envolvidos em conflitos além-fronteiras. É o maior número de conflitos armados ativos desde 1945, ano em que acabou a Segunda Guerra Mundial. Desde o final dessa guerra, o número de mortes em conflitos armados vinha a descer progressivamente, um pouco por todo o mundo, de acordo com a Our World in Data. No entanto, desde 2012, com o início da guerra civil na Síria, o número voltou a subir e não tem abrandado. Recentemente, com a guerra na Ucrânia, no Cáucaso e com Israel e o Hamas, continua a subir.
Mas é na Europa oriental onde está o conflito ativo mais mortal. A invasão russa da Ucrânia está prestes a entrar no seu terceiro ano e continua a deixar um rasto de morte e destruição. De acordo com uma investigação da BBC Rússia e da Mediazona, que analisa as publicações de familiares de militares russos, 2024 foi mesmo “o ano mais mortífero” da guerra, com a Rússia a perder, pelo menos, 20 mil soldados. Apenas em dezembro, foram acrescentados os nomes de 2.771 soldados a esta lista.
Ao todo, os investigadores estimam que o número total de baixas desde o início do conflito situa-se em 82.050. Bem mais abaixo das estimativas do Reino Unido, que acreditam que a Rússia perdeu 768 mil soldados, entre mortos, feridos, capturados e desaparecidos, desde o início da guerra. O elevado número de perdas motivou Moscovo a aumentar campanhas de recrutamento no estrangeiro, tendo beneficiado da cooperação com a Coreia do Norte para trazer mais de dez mil norte-coreanos para lutar no seu país.
No início de dezembro, Kiev fez uma revelação que chocou o mundo ao avançar com o número de perdas da guerra. Apesar de não especificar o número de perdas do ano de 2024, o presidente Volodymyr Zelensky admitiu que 43 mil soldados ucranianos já morreram em combate e 370 mil foram feridos.
O dia 7 de outubro de 2023, onde o Hamas assassinou mais de 1.195 cidadãos em território israelita, marcou o início de um dos mais violentos conflitos da história moderna e mergulhou uma região inteira num conflito mortífero. Desde esse dia, a guerra alastrou-se ao Líbano e ao Iémen, tendo profundas implicações humanitárias e económicas.
Na Faixa de Gaza, a região mais afetada pelo conflito, a situação permanece complexa. Recentemente, o ministro da Defesa israelita Israel Katz afirmou que o seu país vai manter controlo da segurança em Gaza, mesmo após a derrota do Hamas.
Um ano depois de ter começado, esta guerra continua sem fim à vista. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, permanece determinado em cumprir o objetivo inicial de “destruir o Hamas” e de libertar os 60 reféns que ainda estão vivos. No entanto, o futuro da guerra e da região permanece incerto, com o Irão a espreitar nas sombras e com o novo regime Síria a suscitar mais dúvidas do que certezas.
“A maior crise de fome do mundo”
África é um dos continentes mais devastados pela guerra, nos últimos anos, levando a que mais de 32,5 milhões de pessoas tenham sido deslocadas devido à guerra. Entre estas pessoas, 80% vêm de um pequeno número de países: da República Democrática do Congo, da Etiópia, da Nigéria, Somália e do Sudão. E em poucos países a guerra tem tido um efeito tão devastador como no Sudão. Só neste país, mais de 61 mil pessoas perderam a vida, desde que a guerra rebentou em abril de 2023. Entre refugiados e deslocados, esta guerra já afetou perto de dez milhões de pessoas.
A situação humanitária é descrita pelas Nações Unidas como dramática, apelidando a crise de fome no país como sendo “a maior crise de fome do mundo”. Metade a população do país, aproximadamente 25 milhões de pessoas, está a passar fome. No entanto, todos estes dados não são suficientes para colocar um travão na guerra, com os líderes das Forças Armadas Sudanesas (SAF) e os militares das Forças de Apoio Rápido (RSF) a redobrar esforços para destruir o outro lado.
É uma das guerras mais esquecidas, mas também é um dos conflitos mais complexos do mundo, com dezenas de fações e grupos armados a fazer frente à junta militar que governa o país. No Myanmar, em muitos casos, estes grupos lutam também uns contra os outros, desde 2021, ano em que os militares tomaram o poder. Os grupos armados estão a capturar cada vez mais território e arriscam fazer cair os militares que tomaram o poder, liderados pelo general Min Aung Hlaing.
No mês de dezembro, o principal grupo armado, o Exército Arakan, capturou a cidade estratégia de Maungdaw, ganhando controlo total da fronteira entre o Myanmar e o Bangladesh. Noutras partes do país, o exército continua a defrontar sérios problemas, neste conflito que se arrasta há quase quatro anos e já vez mais de 70 mil mortos, 150 mil refugiados e mais de 3,4 milhões de deslocados internos.
À medida que os militares vão perdendo controlo das regiões mais remotas do país, muitos analistas ocidentais temem que o conflito escale em dimensão e intensidade, numa tentativa de manter o poder numa nação cada vez mais fragmentada.
Conflitos à espera de acontecer
Só que 2025 promete ser um ano incerto para a paz mundial, com vários conflitos à espreita. As tensões estão a aumentar em vários pontos do mundo e há vários focos que podem “rebentar” a qualquer momento. Com o presidente-eleito norte-americano, Donald Trump, a chegar ao poder a 20 de janeiro, a expectativa acerca da política americana para Taiwan é cada vez maior.
Durante 2024, a China não perdeu oportunidades para demonstrar que está disposta a utilizar todo o seu músculo para recuperar um arquipélago que diz ser seu. Todos os recordes foram batidos no número de aviões utilizados nos exercícios de larga escala ao redor de Taiwan. Mais de 150 aviões de guerra chineses patrulharam os céus de Taiwan durante 25 horas, com vários a entrar no espaço aéreo taiwanês.
Alguns analistas temem que estes exercícios militares acabem por se transformar num cerco à ilha, bloqueando todas as entradas e saídas, até que a pequena ilha desista ceda perante as pretensões de Pequim. Só que ao contrário de Joe Biden, que apoiou militarmente Taiwan através da venda de armamento, existem muitas dúvidas em relação à reação de Donald Trump a uma possível invasão ou bloqueio de uma ilha que funciona como o coração da economia mundial, ao ser o epicentro da produção de semicondutores.
A China é ainda uma preocupação nas suas relações com a Índia. Apesar de terem assinado um acordo para acalmar as tensões na fronteira entre os dois países, com a retirada de tropas de vários pontos da fronteira nos himalaias, a tensão entre a China e a India permanece acesa. Em 2020, militares dos dois países envolveram-se em confrontos levando à morte de 20 indianos e quatro chineses. Apesar de muitos analistas acreditarem que a próxima guerra terá lugar em Taiwan, outros defendem que vai acontecer em Ladakh, nos próximos cinco anos.
Para os dois gigantes asiáticos, que são a casa das duas maiores populações mundiais, esta região é de enorme importância geoestratégica. Para a India esta é uma questão de integridade territorial, mas para a China esta região é crucial para proteger o seu entreposto energético de Xinjiang. Esta é a única localização por onde uma potência estrangeira pode colocar em causa o projeto chinês que vai ligar a cidade de Kashgar aos poços de petróleo e gás iranianos.
Ao mesmo tempo, os dois governos estão a procurar uma modernização dos seus exércitos, incluindo os seus arsenais nucleares, o que pode aumentar o risco de um erro de cálculo que leva a um novo escalar da disputa territorial. No entanto, muitos argumentam contra um reacender das tensões, uma vez que os dois países estão num percurso de interdependência económica.
Um pouco mais a norte, na península da Coreia, outro conflito espreita no horizonte. A situação de segurança na fronteira que divide a Coreia do Sul da Coreia do Norte está a deteriorar-se a um ritmo significativo. No último ano, o ditador norte-coreano Kim Jong Un intensificou a sua cooperação militar com Moscovo tornou ainda mais agressiva a retórica bélica para com Seoul. Ao mesmo tempo, no vizinho do sul, reina o caos político, depois de o presidente – agora suspenso – Yoon Suk Yeol ter declarado lei marcial a 3 de dezembro.
Tal como uma possível guerra entre a China e Taiwan, o reacender do conflito na Coreia levaria a um dispersar de atenções no ocidente, que poderia ter consequências agravadas para Kiev, que depende em larga medida do envio de armamento norte-americano. Atualmente, mais de 10 mil norte-coreanos combatem na região de Kursk, na Rússia.
O reacender desta guerra teria consequências graves para os dois países, que têm dois dos maiores e mais bem equipados exércitos do mundo. Seoul, que fica a poucos quilómetros da fronteira, está à mercê da artilharia norte-coreana, que tem milhares de canhões apontados à capital sul-coreana. Como se isso não fosse preocupação suficiente para a elite política sul-coreana, Pyongyang tem um arsenal de armas nucleares cada vez maior que pode colocar em causa a existência do país.
A Semana com CNN Portugal
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