O projecto Luz para as Meninas, que consiste na instalação de painéis solares nas casas de lata em São Vicente para incentivar meninas a estudar à noite, tem sido “um diferencial” na vida desses estudantes e suas famílias.
Quem o diz é Antónia Lima, 35 anos, que recebeu a Inforpress na sua casa de lata no bairro do Iraque, na Ribeira de Julião, nas proximidades da lixeira municipal de São Vicente, um assentamento informal que surgiu há cerca de 20 anos.
Ali poucas casas têm electricidade e grande parte da população vive da venda de produtos que retira da lixeira, e debate-se ainda com a falta água e saneamento.
Antónia Lima é mãe de quatro filhos, dos quais dois estudam no ensino básico obrigatório, sendo um rapaz, de nove anos, e uma menina, de 13, ela que está entre as mais de 200 estudantes já contempladas com painéis solares pela Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), promotora deste projecto, criado em 2020, durante a pandemia da covid-19.
A jovem, que se mudou da Boa Vista, após ficar desempregada, para o bairro do Iraque, onde construiu uma pequena casa de chapa para morar, já saiu das contas do Instituto Nacional de Estatística (INE) que apontam que 8,3 por cento (%) de pessoas em São Vicente usam velas para iluminar as suas casas.
Enquanto acalenta o sonho de uma casa de betão, o brilho nos olhos de Antónia Lima reacende por ver no kit uma forma de ajudar os seus filhos a ter melhor aproveitamento nos estudos.
“É uma grande ajuda, principalmente para os que estão a estudar. Eles vão para escola à tarde e à noite já podem estudar um pouco, porque no período de manhã a minha filha tem que estudar e ensinar o irmão e às vezes o tempo é curto porque eles ajudam nos afazeres domésticos. Normalmente, eles têm mais sossego para estudar à noite”, relatou Antónia Lima revelou-se “aliviada” por a casa se de fácil combustão, mas já não corre perigo de incêndio por causa das velas.
“O uso de velas é perigoso ainda mais para quem tem filhos pequenos porque costuma incendiar as casas de lata. Espero que outras pessoas possam ser contempladas aqui nesta comunidade porque quase todas as casas de lata não têm luz eléctrica”, completou a mesma fonte.
Para essa chefe de família, o painel trouxe muitas vantagens, porque conseguem acender quatro lâmpadas, uma na sala, outra na cozinha e as demais nos dois quartos e ainda recarregar o telemóvel, sem precisar ir à casa dos vizinhos, e conviver mais à noite em vez de dormir cedo por causa do escuro.
A delegada da OMCV em São Vicente, Fátima Balbina, explicou que o projecto Luz para as Meninas consiste em levar uma esperança às meninas, em especial às estudantes.
Desenvolvido pelos técnicos Marco Cruz e Marco Silva, o projecto começou inicialmente em 2020, com a instalação de 50 painéis solares, com o financiamento dos missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e, devido ao seu impacto, foi abraçado por outras instituições.
“O primeiro financiador foi a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que patrocinou 50 kits, inicialmente. Mas fomos visitar os beneficiários e eles imediatamente quiseram financiar mais e foram eles a propor o alargamento para mais famílias e agora vão financiar mais 210. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) financiou 150 e o Programa das Pequenas Subvenções 170”, explicou Fátima Balbina, que contou ainda com parceria de um empresário que importou os kits da China.
A ideia do projecto, adiantou a delegada da OMCV, é proporcionar uma realidade “mais justa e igualitária” para as meninas, garantir segurança e poupança às suas famílias.
“Vão ter iluminação nas suas casas à noite e para estudar também, vão poder carregar os seus telefones através da bateria, vão poder poupar na compra das velas ou petróleo, que utilizavam, durante a noite. Vão beneficiar de segurança, uma vez que as velas ou petróleo oferecem perigo às casas com crianças”, argumentou, acrescentando que o kit também vai permitir que elas tenham acesso às novas tecnologias de informação para estudo ao efectuarem pesquisas através do telemóvel.
Segundo Fátima Balbina “Luz para as Meninas” tem inspirado a criação de projectos semelhantes noutras ilhas devido à sua abrangência e aposta na educação inclusiva das meninas. E adiantou que há uma proposta do PNUD em andamento para alargar o projecto para as outras ilhas onde houver maior necessidade.
A delegada da OMCV disse também que já estuda formas de abranger outras casas uma vez que, sublinhou, a organização tem tido dificuldades em instalar painéis nalgumas casas de lata porque “os donos usam luz clandestina” e “recusam-se a receber os kits porque desejam ter luz elétrica para poder ter frigorifico, televisores e outros equipamentos”.
As casas de lata têm crescido nos últimos dez anos na ilha de São Vicente conforme os dados do Recenseamento Geral da População (RGPH) realizado em 2021 pelo INE.
Dos 23 976 edifícios construídos na ilha, 68,5 por cento (%) são considerados “concluídos” e 23,8 % são “não concluídos” e 7,3 % são do tipo “não clássico”, que engloba as casas de lata ou barracas, representando a maior taxa de Cabo Verde.
A Semana com Inforpress
27 de março 2024
Terms & Conditions
Subscribe
Report
My comments