As denúncias de abuso sexual contra crianças em Cabo Verde continuam a preocupar autoridades e a sociedade civil já que dados do ICCA apontam 84 casos em 2024, sendo 75 vítimas do sexo feminino.
Em investigação de campo, a Inforpress apurou que a maioria das vítimas tem entre 13 e 17 anos e os locais de agressão concentram-se, principalmente, no ambiente familiar, cerca de 34 por cento (%), seguidos por pessoas próximas, como vizinhos ou cuidadores, contabilizando uma percentagem de 32%, segundo dados do ICCA.
As denúncias de crimes sexuais contra menores cresceram 23% entre 2021 e 2024, de acordo com o relatório do Instituto Cabo-verdiano da Criança e Adolescente (ICCA) e do Ministério Público.
Apesar dos avanços legislativos e das instituições actuantes, o combate a essa violência enfrenta desafios como o estigma social, o medo das vítimas e familiares e a morosidade judicial, que pode prolongar processos por, até, 20 anos.
Uma fonte, que a Inforpress prefere não identificar para preservar a identidade, partilhou um relato que representa a realidade de muitas crianças.
“Levaram a minha dignidade quando eu tinha 11 anos e ninguém fez nada. O violador foi visto como herói e eu, como criminosa. Vivemos numa sociedade que protege o agressor e silencia a vítima”, denunciou.
Hoje, já adulta, a mesma fonte luta para superar a dor e apelou para que a sociedade ouça, acolha e proteja as vítimas, reconhecendo que o silêncio é cúmplice da violência.
Em entrevista à Inforpress, o advogado Marco Paulo destacou o progresso do sistema jurídico, especialmente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 2016, e o fortalecimento do Ministério Público, ICCA e os comités municipais.
Porém, alertou para a morosidade da justiça, a falta de fiscalização rigorosa dos prazos e a escassez de profissionais especializados, que dificultam a protecção das vítimas.
“O advogado deve ser, não só, um defensor legal, mas também um apoio emocional para a vítima e seus familiares, criando um ambiente de confiança para que denunciem”, ressalta.
Outro jurista contactado pela Inforpress, enfatizou a necessidade de formação especializada para todos os profissionais envolvidos na protecção dos direitos das crianças.
“É fundamental que advogados, policiais e juízes tenham conhecimento específico sobre o abuso sexual infantil para actuarem com eficiência”, disse.
A psicóloga Ana Lissa Teixeira, coordenadora da Rede de Protecção à Criança contra Abuso Sexual em Santiago Sul, alertou para os graves impactos psicológicos do abuso, como traumas profundos e dificuldades nos relacionamentos futuros.
Ela reforçou a importância do acolhimento qualificado, da família como núcleo de protecção e do apoio comunitário.
“O acolhimento deve criar um ambiente seguro, validar os sentimentos da criança e garantir ajuda profissional”, afirmou.
A presidente do ICCA, Zaida Freitas, por sua vez, exortou para a necessidade de uma resposta integrada entre Justiça, Educação, Saúde, ICCA e sociedade civil para enfrentar esses desafios.
Ressaltou também o papel do Estatuto da Criança e do Adolescente e a importância do orçamento para os planos de protecção, já em vigor em 20 municípios.
Neste mês da criança, Zaida Freitas lembrou que nenhuma vítima é ouvida sem a presença de um psicólogo e reforçou que, apesar do foco na prevenção, o ICCA actua no atendimento e responsabilização dos agressores.
Sobre a família enalteceu o programa nacional de parentalidade positiva, que fortalece competências parentais para evitar vulnerabilidades que comprometam a protecção das crianças.
“Responsabilizar a família é apoiá-la, pois muitos desafios vêm da falta de orientação e recursos. Educar um adolescente não é fácil, mas a família deve cumprir o seu papel e as instituições estão para ajudar quando necessário”, concluiu.
Apesar dos avanços, a luta contra o abuso sexual infantil em Cabo Verde exige contínuos esforços integrados, sensibilização comunitária, investimentos em serviços especializados e uma justiça ágil para proteger as crianças, os cidadãos mais vulneráveis do país.
A Semana com Lusa
Se a escola cala e a igreja encobre, quem protege a criança?
Vamos falar claro.Violência sexual contra crianças não é um problema invisível. Está à vista de todos — e está a acontecer nas casas, nas escolas e nas igrejas. Locais onde uma criança devia estar segura, são muitas vezes o cenário de crimes hediondos, abafados por silêncio, medo e cumplicidade.
Dados do ICCA mostram que 84 crianças foram vítimas só em 2024. A maioria entre os 13 e os 17 anos. E sabemos que estes números são só a ponta do icebergue, porque muitas nunca chegam a falar.
A maioria dos agressores? Pessoas próximas. Familiares, vizinhos, professores, catequistas. Gente que se esconde atrás da confiança da criança e da passividade da sociedade.
E depois, há o ritual habitual: a vítima fala, é desacreditada, apontada, ignorada. O agressor continua a circular, muitas vezes até visto como um “bom cidadão”. E o processo judicial arrasta-se durante décadas, enquanto a criança carrega o trauma sozinha.
Chega. Está na hora de fazer perguntas incómodas:
📌 As escolas estão a proteger as crianças ou a fingir que não vêem?
📌 As igrejas são casas de fé ou esconderijos de pedófilos com discurso bonito?
📌 A justiça está a servir quem? A vítima ou o agressor?
É duro dizer isto, mas é necessário:
Uma escola que ignora um abuso deixa de ser escola. Uma igreja que encobre um violador deixa de ser sagrada. Um Estado que não protege as suas crianças é cúmplice da sua destruição.
E a sociedade? Essa que diz “não é comigo”?
Essa que julga a vítima pela roupa ou pela idade?
Essa também tem sangue nas mãos.
É urgente:
✅ Fiscalização séria e independente das instituições educativas e religiosas
✅ Formação obrigatória de professores, polícias, juízes e psicólogos sobre abuso infantil
✅ Prazos judiciais máximos para crimes sexuais contra menores
✅ Acolhimento digno, rápido e humano das vítimas
✅ Um pacto real — não só entre instituições, mas entre nós enquanto sociedade
Proteger uma criança não é um favor.
É um dever.
É um limite moral.
É onde se mede o valor de um país.
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