Duas associações cabo-verdianas querem reforçar a participação das comunidades na definição de políticas públicas, através de um projeto que propõe formas alternativas de envolvimento e rompe com os "modelos tradicionais" centrados nos partidos e nas campanhas eleitorais.
"O que queremos é promover o diálogo político", com base na escuta da população, disse à Lusa Pedro Matos, presidente da associação Kadjidja, que em parceria com Storia na Lugar (História nos Lugares) desenvolve a iniciativa.
"Esperamos uma outra forma de discutir a política, que não seja apenas aquela do parlamento, a mesma forma em que os partidos discutem de maneira clássica", sublinhou.
Intitulada "ampliando vozes dissonantes e formas expandidas de fazer política em Cabo Verde", a iniciativa é uma das 15 apoiadas, este ano (entre mais de 600 candidaturas), pela Fundação de Inovação para a Democracia (Innovation for Democracy Foundation, na designação original) liderada pelo historiador camaronês Achille Mbembe.
O objetivo é reunir associações para partilhar estratégias que permitam defender melhor os interesses das comunidades.
"A comunidade precisa ser ouvida. Isso está na base da democracia. Defendemos que as decisões políticas devem refletir as suas necessidades reais", afirmou.
A proposta assenta em debates nos bairros, praças e outros espaços informais, onde as pessoas possam expressar livremente as suas preocupações, sem mediações institucionais.
A prioridade vai para populações vulneráveis, como pescadores, agricultores ou famílias com dificuldades no acesso à saúde, educação, energia ou água.
"A escuta da comunidade transforma-se em política pública quando as suas preocupações e propostas são incorporadas nos processos de formulação, aplicação e avaliação de políticas", explicou Pedro Matos, apontando ferramentas como diagnósticos participativos, monitorização e prestação de contas públicas.
As ideias recolhidas nestes encontros serão sistematizadas e poderão alimentar processos como audiências públicas ou orçamentos participativos, criando uma ligação mais direta entre as comunidades e os decisores.
Em paralelo, o projeto vai mapear o trabalho que já está a ser feito por outras organizações para influenciar políticas públicas.
"Queremos envolver associações que trabalham com crianças com necessidades educativas especiais, pessoas com deficiência, arte, desporto, língua materna ou reintegração de ex-reclusos. São agentes de transformação que precisam de espaço no debate político", afirmou.
Há uma semana, decorreu um encontro com dezenas de representantes da sociedade civil e organizações locais, para partilha de experiências e estratégias de atuação comunitária.
"Não convidámos partidos, mas também não os ignoramos. São parte da democracia representativa. Mas o sistema precisa de ser oxigenado com novas ideias e mais diálogo, para que a democracia se preocupe com a vida real das pessoas e não apenas com os indicadores internacionais", apontou.
Pedro Matos alertou que, apesar dos elogios externos a Cabo Verde, o dia-a-dia continua marcado por desafios: "a burocracia é pesada e dificulta a vida das pessoas", exemplificou.
O projeto quer ainda reforçar a literacia política, sobretudo entre os jovens.
"Precisam de conhecer os programas, avaliar propostas, perceber o que é viável e o que são promessas vazias. Só com acesso à informação e ligação à realidade é que se pode exigir mais da política", concluiu.
A Semana com Lusa
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