A Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria (ACOLP) de Cabo Verde alterou os estatutos há dois meses para passar a incluir sócios que não tenham estado na frente de libertação.
“Alterámos os estatutos da associação para admitir, não só combatentes, mas também pessoas que se identifiquem com os seus princípios e ideais”, sabendo que “há muitos jovens” alinhados por esses valores, disse à Lusa o presidente da ACOLP, Álvaro Tavares.
A estratégia é dar continuidade à associação, à medida que os combatentes de há 50 anos vão dando lugar a uma nova geração, permitindo que a história continue viva, mesmo que daqui a outros 50 anos já seja difícil ter testemunhos diretos de quem lutou pela liberdade.
Dos cerca de 200 combatentes cabo-verdianos que combaterem na Guiné ou estiveram na clandestinidade, nas ilhas ou na diáspora, há 80 que continuam ativos nas atividades da associação, refere o presidente da ACOLP.
Mas Álvaro Tavares considera que faltam espaços para a juventude cabo-verdiana se expressar e pensa que a associação pode assim atingir dois objetivos: ser esse local de emancipação e, ao mesmo tempo, rejuvenescer-se.
A associação defende os valores da independência e patriotismo, como herança de Amílcar Cabral, algo que não é consensual na discussão identitária de Cabo Verde, reconhece Álvaro, mas que também por essa via encontra mais uma razão para procurar revigorar a ACOLP.
Receia que se possa “reescrever a história” numa discussão multifacetada e recorrente no arquipélago.
“Nós temos um problema de identidade: ainda há dias surgiu uma discussão por causa de um livro, se calhar uma discussão própria de uma sociedade mestiça”, referiu, aludindo à entrevista do antropólogo Manuel Brito-Semedo à Lusa, em que afirmou que as ilhas cabo-verdianas não são africanas e que a sua viragem é "toda para a Europa".
Do lado da ACOLP, garante: é inegociável a posição de “Amílcar Cabral como pai da nacionalidade cabo-verdiana”.
Sobre a memória, diz que é preciso “muito diálogo com a juventude” e “registo de testemunhos” de quem combateu pela liberdade, considerando que os mais novos estão sedentos de saber mais sobre a luta pela independência, a avaliar pela maneira como é abordado cada vez que vai a uma escola.
“Quando se deu o 25 de Abril, eu estava na Guiné, no mato”, onde, com 24 anos, tratou do transporte de armas e munições de Conacri para a fronteira sul da então Guiné Portuguesa, defendendo depois (na mesma zona) a conquista de Guiledje, para que a posição não fosse recuperada pelas tropas do regime.
“Não tínhamos rádio, só ouvimos dizer que houve um movimento em Portugal, mas nem sabíamos qual era a dimensão. Só, depois, fomos, a pouco e pouco, tomando conhecimento”, recorda.
Nos dias seguintes, “começou a haver uma aproximação entre a tropa colonial e [a tropa] do PAIGC [Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde]. Começaram a encontrar-se, a festejar e a direção do PAIGC teve de chamar a atenção” para tais convívios.
“As coisas não estavam definidas e não se sabia o que é que dali ia dar. Teve de se chamar a atenção para evitar esses encontros de confraternização”, recorda Álvaro Tavares, que desses momentos fixou na memória “a vontade da tropa colonial em acabar com a guerra”.
Hoje, aos 74 anos, olha para a democracia como “uma luta constante, assente na necessidade de aperfeiçoamento, como acontece com o 25 de Abril” que classifica como uma “referência de luta pela liberdade e pela democracia”.
A ACOLP tem em atividade um grupo de reflexão que está a procurar pontes com a juventude e toda a sociedade, para perceber como é que a associação “pode ser útil” no arquipélago e na diáspora.
“Não é só zelar pelos interesses dos combatentes: temos de zelar também pelos interesses da sociedade, sobretudo dos jovens”, conclui Álvaro Tavares, com Cabral em mente, sobretudo neste ano em que se celebra o centenário do seu nascimento.
A Semana com Lusa
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