Carla Mendes, professora cabo-verdiana, trava uma batalha árdua para preservar a saúde mental do filho, enfrentando múltiplos desafios: lidar com o impacto emocional, superar as limitações financeiras e reorganizar a rotina familiar para garantir o tratamento necessário.
"O maior desafio para uma mãe é aceitar que um filho que nasceu saudável precisa de ajuda. Para chegar até aqui, tive de despir a pele de mãe e vestir outra, para poder ajudá-lo", contou Carla Mendes, tentando conter as lágrimas enquanto falava à Lusa.
Tudo começou com pequenas mudanças: Lucas, que era um menino alegre e curioso, aos oito anos começou, inesperadamente, a ter dificuldades em juntar sílabas que antes dominava com facilidade.
Mãe solteira, Carla procurou ajuda no Hospital Universitário Agostinho Neto, o maior do país, mas continua à espera de uma consulta inicialmente marcada desde dezembro de 2023.
Diante da ausência de resposta no sistema público, Carla procurou especialistas em clínicas privadas, mas rapidamente viu-se travada pelos custos elevados.
"Deixei de comprar roupa. Parei de sair com os meus filhos, porque tínhamos o hábito de ir jantar fora uma vez por mês, mas cortei isso para poder pagar as consultas", lamentou.
Determinada, Carla colocou a saúde do filho como prioridade e encontrou apoio na Associação de Pais e Amigos de Crianças e Jovens com Necessidades Especiais (Colmeia).
Na Colmeia, conseguiu acesso a um tratamento essencial, contribuindo apenas com 500 escudos mensais (4,53 euros).
Embora considere o valor "simbólico", reconhece o impacto financeiro no orçamento familiar.
Além disso, percebeu que a sua própria saúde mental estava a deteriorar-se.
"Na primeira consulta, perceberam que eu também precisava de ajuda. Por mais que dissesse que estava forte, a verdade é que levava a vida no automático", confessou Carla.
Com dois meses de tratamento na Colmeia, já observa "uma grande evolução" no filho.
Em casa, juntamente com a filha de 14 anos, adaptaram as rotinas para apoiar Lucas, utilizando jogos e atividades que estimulam o foco e a interação.
"Ele sabe que está a fazer terapia para se tornar uma pessoa melhor, mas tratamo-lo como às irmãs. Não queremos que ele se sinta diferente ou inferior", afirmou.
Um dos momentos mais marcantes para Carla foi quando a filha lhe revelou que deseja ser neuropsicóloga para ajudar crianças com problemas de saúde mental.
"Ela disse-me: Mãe, as crianças em Cabo Verde são esquecidas. Tens procurado tanto uma consulta para o Lucas. Para os ricos existem, por quê? Porque têm dinheiro para ir à clínica. E os pobres?", contou.
A professora apela ao Governo para que facilite o acesso aos cuidados de saúde, especialmente num ano em que a saúde mental foi declarada prioridade nacional.
"Há muita propaganda sobre o tema, mas a realidade é outra. Sem apoio financeiro e técnico, as instituições que oferecem ajuda gratuita podem acabar por fechar", alertou.
Isabel Moniz, presidente da Colmeia, também defende que as ações governamentais têm sido insuficientes.
Apesar de trabalharem com recursos limitados, a associação tem atendido um elevado número de pessoas, oferecendo suporte psicológico e terapêutico a crianças e jovens com transtornos mentais e neurológicos.
"Nós lidamos com todo o tipo de transtorno. Temos casos de paralisia cerebral e autismo", explicou.
Jacob Vicente, especialista responsável pelo único Centro de Atendimento Psicológico na Praia, destacou a grave carência de profissionais e recursos na área da saúde mental em Cabo Verde.
Apenas três psiquiatras atendem todo o país, com algumas cidades dependendo de médicos cubanos, o que é insuficiente.
"O ano da saúde mental foi anunciado, mas até agora nada de concreto foi feito", lamentou Vicente, sublinhando que o Governo ainda não implementou políticas públicas eficazes para combater a situação.
Além disso, as consultas de psicologia são extremamente limitadas, com tempos de espera que podem durar meses.
Para quem não tem possibilidades financeiras de recorrer a serviços privados, as dificuldades são ainda maiores.
Vicente revelou que, este ano, o centro atendeu mais de duas mil pessoas em todos os 22 municípios do país e registou um aumento significativo nos casos de depressão, ansiedade, transtorno bipolar e ‘burnout’.
Apesar das adversidades, o especialista reconhece que há sinais positivos, como a redução do estigma social e o aumento da procura por ajuda psicológica.
Também destacou a iniciativa de algumas empresas que começaram a custear consultas psicológicas para os seus colaboradores.
A Lusa tentou obter esclarecimentos junto do Ministério da Saúde, mas este remeteu para mais tarde.
A Semana com Lusa
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