O Presidente da República, José Maria Neves, convocou hoje a África e aos africanos a reflectirem sobre a justiça e o papel das reparações no continente, questões segundo disse inextricavelmente ligadas à história, dignidade e futuro comum.
José Maria Neves lançou este apelo na abertura do ano judicial do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos que teve lugar em Arusha, República Unida da Tanzânia, sob o lema “Promovendo a Justiça através de Reparações”.
No seu discurso, o Presidente da República saudou o Tribunal e referiu sobre o interesse manifestado este ano a favor de “Justiça para os Africanos e as Pessoas de Ascendência Africana através de Reparações”, realçando que tal abordagem representa um reconhecimento inequívoco da necessidade de se enfrentar, com coragem e determinação, as injustiças históricas que marcaram o continente.
“Este continente, berço da humanidade, carrega ainda as cicatrizes de múltiplos flagelos – guerras fratricidas, divisões étnicas instrumentalizadas, incluindo o sistema do apartheid, injustiças criadas, impostas e perpetuadas – que não só marcaram o seu passado, mas continuam a comprometer o seu presente e o seu futuro”, disse José Maria Neves, reiterando que as consequências dos conflitos não se limitam à destruição física.
Estas guerras, sublinhou, desenraízam comunidades, desmantelam estruturas sociais, económicas e políticas, e geram traumas intergeracionais que se perpetuam no tempo e nas crianças que foram privadas da sua infância e do direito à educação, nas mulheres que enfrentaram violências indescritíveis, nas aldeias devastadas e nas culturas desvalorizadas ou obliteradas.
“Na questão dos conflitos e das reparações, não se trata apenas de política, de diplomacia ou de números, mas de vidas humanas, de dores inenarráveis e de dignidade a serem restauradas. Não basta reconstruir estradas, reerguer casas ou oferecer indemnizações materiais. É preciso ir além”, disse afirmando a necessidade de se investir naquilo que constitui o verdadeiro alicerce de um futuro sustentável.
Reparar, conforme José Maria Neves, é um acto que deve abranger todas as dimensões do ser humano e das suas comunidades, constituindo-se num processo holístico que assente na restauração da dignidade e na promoção de um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo.
O chefe de estado aproveitou ainda, no seu discurso, para referir sobre a educação e avançar que reparar através nesta área é investir no futuro, com a reconstrução das escolas destruídas e a formação de professores que ensinam valores universais como a paz, a tolerância, a história partilhada e a riqueza inestimável da diversidade cultural.
“Se a educação é o alicerce para a construção de sociedades coesas, a cultura é o fogo que mantém viva a identidade e a memória coletiva, garantindo que nenhum povo se perca no esquecimento. Gostaria, pois, de vos falar sobre este tesouro imaterial que transcende gerações – a cultura africana, as suas tradições e o seu legado vivo”, explicou, apontando a África como um continente de histórias, de canções, de danças e de símbolos que moldaram a sua identidade ao longo de milénios.
“Não podemos falar de reparação sem falar de justiça que é o esteio de qualquer sociedade que se pretende digna, harmoniosa e estável. Mais do que a simples aplicação de normas, ela constitui um pilar de civilização, garantindo que os direitos de cada indivíduo sejam respeitados e que as responsabilidades sejam devidamente assumidas”, realçou.
O Presidente cabo-verdiano lembrou na sua comunicação que sem justiça, os alicerces da confiança nas instituições e do respeito pelo Estado de Direito desmoronam, cedendo lugar à desordem, à insegurança e à perpetuação de desigualdades.
Ressaltou, por outro lado, que a exigência de reparações não é uma tentativa de reescrever a história ou de continuar o ciclo de vitimização, mas um apelo para reconhecer a verdade inegável e corrigir os erros que ficaram impunes durante demasiado tempo e que continuam a prosperar atualmente.
Reparar África, na opinião de José Maria Neves, é assegurar que o sofrimento de gerações passadas se converta em força transformadora, é permitir que cada africano, criança ou adulto, viva num continente que honra o seu passado e avança com determinação rumo ao futuro.
Com tantos desafios, o chefe de Estado cabo-verdiano apelou que “busca de justiça seja temperada com sabedoria, que a nossa exigência de responsabilidade seja equilibrada com compaixão e que a nossa visão para o futuro esteja enraizada na força da nossa história partilhada”.
Concluiu augurando um ano judicial marcado por passos corajosos em direcção à justiça e que as deliberações conduzem a planos de ação que aproximem da concretização das reparações, e que os esforços colectivos contribuam para um futuro em que as injustiças históricas sejam “reconhecidas, tratadas e curadas”.
A Semana com Inforpress
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