Manuel Justino apresenta-se como um dos seis psiquiatras de Cabo Verde e numa entrevista a propósito do seu percurso cultural e político nos 50 anos de independência, apontou a saúde mental do país como uma vulnerabilidade.
“A saúde mental é o calcanhar de Aquiles do Sistema Nacional de Saúde. Historicamente sempre foi relegada para um plano absolutamente secundário. Muito pouco evoluiu”, salvo “avanços pontuais e sem perspetivas de continuidade”, diz.
A psiquiatria no arquipélago “nasce com a independência”, porque até 05 de julho de 1975 “havia um galpão, amontoavam-se lá as pessoas e um psiquiatra vinha de Portugal, de dois em dois anos: ficava umas semanas, olhava para elas e ia-se embora”, descreve.
Os anos passaram, mas a falta de investimentos e recursos manteve a especialidade sujeita “a altos e baixos", até hoje.
“É certo que há mais psiquiatras e já há psicólogos em unidades de saúde pelas ilhas, mas ainda há muito por fazer. Avançou um pouco, sim”, mas continua a ser uma área deficitária, apesar do apoio de enfermeiros, alguns especializados.
Manuel Justino rumou ao Brasil no final da década de 1970, especializou-se em Psiquiatria e quando regressou ao país, na abertura ao multipartidarismo, acabaria por ter a pasta da Educação, como ministro, independente, no Governo suportado pelo Movimento para a Democracia (MpD) entre 1991-94.
“Hoje exigem-se tratamentos fora do hospital, com as comunidades e em que os medicamentos são uma retaguarda do tratamento”, defende, numa alusão a novas formas de terapia.
O Hospital de Trindade, nos arredores da capital, Praia, tem capacidade limitada devido a obras e “há pacientes a deambular nas ruas, sem alternativas”, descreve.
“A marginalização é também um reflexo de como a população olha para a especialidade”, referiu, notando que ninguém quer doentes mentais a deambular, mas depois “não se importam para onde vão essas pessoas, desde que as tirem das ruas. Para onde vão? Quem quer saber”, questionou.
O assunto está também ligado a uma das maiores lutas de Manuel Justino: o combate ao alcoolismo, através da campanha Menos Álcool, Mais Vida, que lançou em 2016 - na altura dirigia a Casa Civil, na Presidência da República sob a égide de Jorge Carlos Fonseca.
“O abuso de álcool é um dos problemas muito sérios em Cabo Verde” e sempre cresceu, de forma passiva: “continua a matar, mas pelo menos já se fala do assunto”, refere, numa alusão ao trabalho da campanha.
“Fizemos um estudo em 2021” e a sensação, desde então, “é de um agravamento. O consumo começa mais cedo, é mais precoce e envolve mais mulheres”.
O álcool está ligado “a diferentes formas de violência e doenças. As três principais causas de morte estão ligadas ao consumo excessivo: doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e cancro”, indica.
Ao nível da violência, o excesso está também associado a abusos sexuais de menores em contexto familiar e todos estes são temas que têm merecido várias campanhas institucionais das autoridades nacionais.
Na prisão central da Praia, onde Manuel Faustino é psiquiatra (além de continuar a exercer como profissional liberal), o álcool surge como principal causa do “primeiro crime”, apontada 35% dos reclusos, sendo que outras causas surgem muito atrás, com 12% de respostas ou menos.
Permanecem muitas “dificuldades de compreensão” sobre o fenómeno do alcoolismo em Cabo Verde, “porque está presente no dia-a-dia, o que dificulta explicar o risco que representa”.
Em 01 de julho, a campanha que Manuel Faustino dinamiza completa o nono aniversário e os promotores vão organizar um debate sobre a lei do álcool e formas de combater os abusos - o parlamento transformou a data no Dia de Combate ao Consumo Abusivo de Álcool.
“Desde a independência, há 50 anos, o panorama económico mudou”, o acesso às bebidas alcoólicas também, mas os problemas de base persistem.
A Semana com Lusa
Terms & Conditions
Report
My comments