Tuesday, 01 July 2025

Emigração vê-se nas partidas do aeroporto e coloca Cabo Verde numa encruzilhada

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Sónia Freire, cabo-verdiana, 34 anos, é vendedora de rua e está de malas aviadas no aeroporto internacional da cidade da Praia para emigrar para Portugal.

 

Ao mesmo tempo, “há instituições a falhar”, apontando os atrasos na justiça e lacunas na área da saúde como dois problemas que também contribuem para que haja quem parta, sem voltar.Redy Lima reconhece os avanços nos 50 anos de independência – uma conquista inalienável, refere –, mas defende ambição reformista em vez de mera gestão eleitoralista, que no caso da emigração equivale a uma “política de avestruz”, sem uma estratégia de longo prazo.

 

"Vou para Lisboa procurar melhores condições de vida. Aqui falta melhor salário: se eu o tivesse, não iria", desabafa, a poucos minutos de entrar na sala de embarque.

Noutra despedida que se desenrola ali ao lado, o protagonista é Loidimir Carvalho, 21 anos, que abraça amigos e familiares, quase em lágrimas.

"Aqui faltam oportunidades e em Portugal espero alcançar melhores rendimentos. Já levo contrato para trabalhar na construção civil e, quando chegar, é pôr mãos à obra", explica.

A emigração é um tema permanente em Cabo Verde, mas tem-se intensificado desde 2022, diz o sociólogo Redy Lima, que aponta a fuga de talentos e de mão-de-obra qualificada como um risco, numa altura em que se celebram 50 anos de independência.

“A emigração por si só não é um problema” e até promove “uma cultura de cuidados internacionais”, refere, citando a antropóloga Luzia Oca González sobre o cuidado de quem está fora enviar dinheiro para cuidar dos que ficam nas ilhas.

“Quem sustentou muitos bairros na cidade da Praia durante a [pandemia de] covid-19 foi a emigração” dos Estados Unidos, Portugal, França e de outros países, aponta.

“Essa é a parte boa”, as remessas da emigração, mas o lado negativo é que Cabo Verde está a perder mão-de-obra, quadros qualificados, cujo vazio não está a ser coberto pelos imigrantes, diz o sociólogo e docente que ouve empresários.

Quando se fala de um pico de emigração, “falamos de perceções, porque não há dados” atualizados.

“Fui ver os últimos dados do INE [Instituto Nacional de Estatística] e entre 2009 e 2021 saíram de Cabo Verde cerca de 34.000 pessoas, cerca de 6% da população, e acho que isso é [um fluxo] estável, é o normal. Quando fui fazer cálculos do regresso, percebe-se que a partir de 2020 há maior percentagem de quem não volta”, explica.

De lá para cá, a mobilidade ficou mais fácil e, em Cabo Verde, se qualquer conversa durar o tempo suficiente, vai invariavelmente desembocar na emigração e naqueles que já foram ou nos que querem ir.

Há pouco tempo “circulou uma notícia” nos meios locais sobre “lojas de produtos chineses: acabaram por dizer que o que mais se vende são malas”, aponta Redy Lima: será por haver muitos cabo-verdianos a partir, questiona.

Tal como noutros países, as necessidades apertam porque “o custo de vida aumentou”, desde a crise de 2008 e mais ainda depois da pandemia, refere, algo que os aumentos do salário mínimo não têm resolvido. 

“O salário médio não cresce” e falta poder de compra para dinamizar a economia.

O salário mínimo no arquipélago foi criado em 2013 com o valor de 11 mil escudos (cerca de 100 euros) e tem aumentado até aos atuais 17 mil escudos (154 euros), havendo um Acordo de Concertação Estratégica, assinado entre o Governo e parceiros sociais, que prevê alcançar 20 mil escudos (181 euros) em 2027.

É certo que “há um paradoxo de oportunidades: não há trabalho para todos” no mercado do arquipélago e, “até certo ponto”, é bom que haja cabo-verdianos a sair, considera Redy Lima.

O problema, segundo o sociólogo, começa na “segregação de oportunidades” que faz com que quadros necessários para o desenvolvimento também sejam empurrados para o exterior por falta de cultura democrática, como tem referido em eventos públicos em que frequentemente aborda o assunto.

“A democracia funciona” de acordo com as regras em Cabo Verde, como atestam várias classificações internacionais, que a colocam como exemplo para África, mas, “no dia-a-dia, falta cultura democrática”.

“Em Cabo Verde parece que temos quatro países: o país do Movimento pela Democracia (MpD, poder), o do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), dos outros partidos e o mundo de outras pessoas”, num universo em que a lealdade vale mais que o mérito, sendo premiada na hora em que cada esfera tem o poder, refere.

O resultado é um incentivo à “mediocridade” nas ilhas, exportando a competência, acrescenta: “as pessoas não estão a ser colocadas por mérito, mas porque são leais, ‘meninos’ de partido ou porque nada questionam. Não sou eu que o acho, são as pessoas que estão nos cargos que o dizem”, indica o sociólogo.

Ao mesmo tempo, “há instituições a falhar”, apontando os atrasos na justiça e lacunas na área da saúde como dois problemas que também contribuem para que haja quem parta, sem voltar.

Redy Lima reconhece os avanços nos 50 anos de independência – uma conquista inalienável, refere –, mas defende ambição reformista em vez de mera gestão eleitoralista, que no caso da emigração equivale a uma “política de avestruz”, sem uma estratégia de longo prazo.

Tal como noutros países, “é preciso uma mudança estrutural no mercado de trabalho”, contra a precariedade e salários baixos, promover “o trabalho digno”, alinhando-o com “o título de desenvolvimento médio” que o país ostenta, acima de muitos pares africanos.

As queixas estão aí, “ouvindo empresários da restauração, da construção e de outras áreas”, algumas mais especializadas: “quem tem experiência já foi embora”, “há menos gente para trabalhar” e os imigrantes que chegam ao arquipélago não cobrem o vazio – nem em qualidade, nem em quantidade.

Muitos usam o arquipélago como trampolim para outras geografias, indica.

Nalgumas ilhas, os riscos da emigração são maiores: Redy Lima estudou a ilha do Maio, a mais próxima da capital e uma das menos povoadas, com 6.330 pessoas no censo de 2021 e poucas atividades económicas, apesar do potencial natural por explorar.

“Só entre outubro de 2023 e julho de 2024”, durante nove meses, “a ilha perdeu 12% da população”, que já estaria abaixo do número dos censos, porque a saída é contínua: “Como vamos construir o futuro”, questiona.

 

A Semana com Lusa

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