À medida que os jovens do Quénia pressionam por mudanças políticas e sociais, correm o risco de pagar um preço elevado. Confrontos mortais com a Polícia, traumas emocionais e ansiedade tornaram-se a sua nova realidade.
A 25 de junho, Wendy, uma jovem queniana, juntou-se a centenas de manifestantes em Nairóbi para protestar contra a morte de Albert Ojwang, um blogueiro e professor de 31 anos que morreu sob custódia policial.
"Na maioria das vezes, estou completamente apavorada quando saio de casa para ir ao protesto. Alguns dias sinto-me tão derrotada, às vezes sinto-me quase inútil, penso: que valor estou a acrescentar à luta?", questiona.
Mas Wendy sabe a razão que a leva às ruas: "A razão pela qual acredito que estamos nas ruas e, na verdade, para mim, é que estou realmente cansada de ver sistemas que continuam a oprimir uma determinada classe. Quero mesmo um país que funcione para mim e para a minha filha".
Foi uma decisão ousada da parte dela, que veio acompanhada de muito medo e incerteza no meio de uma crescente repressão do Governo à dissidência. No final, ela voltou para casa em segurança. Mas outros não tiveram a mesma sorte.
Pelo menos 19 pessoas foram mortas em todo o país durante os protestos realizados, que coincidiu com o primeiro aniversário da invasão do Parlamento queniano no ano passado.
Medo da Polícia
Impulsionadas pela frustração generalizada com a brutalidade policial, as dificuldades económicas e o que muitos consideram um Governo falho sob o Presidente William Ruto, estas manifestações, lideradas em grande parte por jovens vozes da oposição que se identificam como Geração Z, tornaram-se uma caraterística marcante do panorama político do Quénia.
Mas mostrar resistência também pode afetar a saúde mental. Alex Mutua, outro jovem manifestante, descreveu o medo que agora o acompanha em todas as manifestações e comícios políticos.
"Tem sido uma experiência realmente assustadora, considerando a forma como a Polícia está a lidar com os protestos. Sempre que saio para lutar pelo meu país, não sei se serei alvo da polícia", conta.
Irene Mwari, estudante universitária e manifestante em Nairobi, concordou que o preço emocional que os jovens têm de pagar continua a aumentar.
"Uma vez fui a um protesto no Quénia. Não sabia se voltaria para casa. Hoje em dia, a Polícia usa balas reais para dispersar as pessoas. E se tiver a sorte de escapar a uma bala, o Governo tem capangas para interromper protestos pacíficos. Então, se não te espancarem, és roubado à plena luz do dia".
No entanto, ela sente-se motivada pelo desejo de se manifestar contra o que chama de má governação, mesmo que cada protesto possa tornar-se uma aposta com a sua vida.
"No final das contas, somos nós que temos de viver no Quénia com uma governação tão má. Portanto, se não lutarmos por um futuro melhor, não sei quem o fará".
Trauma coletivo
Os protestos têm-se tornado cada vez mais perigosos ao longo do tempo. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quénia informou que 31 pessoas foram mortas apenas durante os protestos «Saba Saba» no passado dia 7 de julho — tornando este o dia mais mortal de manifestações deste ano.
Mais de 100 pessoas ficaram feridas e 500 foram presas; inúmeros supermercados e outros negócios foram roubados ou destruídos. A comissão acusou a polícia de usar munição real e colaborar com gangues armados para reprimir esses protestos.
Profissionais de saúde mental no Quénia também salientam que os protestos já não são apenas uma questão política — tornaram-se profundamente pessoais e, por isso, são emocionalmente desgastantes para muitos.
"Estamos a passar por um trauma coletivo, quer sejamos agredidos ou não, e especialmente porque a resistência deles tem sido prolongada, o que tende a causar tensão emocional e, sem uma resolução clara à vista, como tem sido o caso, muitos jovens manifestantes estão a passar por stress e ansiedade crónicos devido à exposição repetida à violência", queixa-se um profissional.
Mas, apesar do trauma e da exaustão, muitos jovens quenianos dizem que não vão parar de protestar.
A Semana com DW/ Foto: Reuters
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