Estou condenado a ser um triste pobre poeta. Sofrer é a marca de excelência de um pária criador. Sim, estou adstrito a ter a sorte de um Sísifo malquisto. Está escrito e assim me cumpre dar impulso. Ainda que só no estilo, na maneira estoica e relaxada. Pouco me importando com os luxos e requintes de exuberante mundanidade. A tentação para escapar ao aedo do meu destino não faltará. Por vezes apetece-me grandeza nominal e passageira, efémera, portanto. Quando atolado no meu calamitoso estado de alma, qualquer asinha de borboleta tem a durabilidade maior que a minha leve respiração. Então, num acesso repentino, um carro portentoso e novo ou um iate para passear na mítica baía da capital passa-me como um flash pela retina desinibida. Coisas do tipo de melhor me espairecer e gozar a vida. Contudo, a resiliência com que nasci para amanhar os escolhos de uma vida recatada leva-me a optar pela modéstia, sem jamais me arvorar em ente ressabiado contra as mordomias e regalias do semelhante.
Por Domingos Landim de Barros
Como costumo gabar-me, sou um homem genuinamente de esquerda. E sempre fui assim. Nasci à esquerda do berço, cresci à esquerda da fortuna e dos vizinhos. Vivo à esquerda de todas as incoerentes e falsas doutrinas. Nunca senti inveja de ninguém por causa disso. Cada um é cada quem. Assim, resignado ao meu desígnio, estou geneticamente preparado para enfrentar tudo, tudo, incluindo as afrontas e demandas, as assanhadas e maléficas mentiras, intrigas e calúnias, os esbirros, fastios e deboches de nível reles, de baixo calão, sou a frisar. Há então uma incessante briga de protagonismo e da falta dele, em cada ala do meu ser, dentro de mim, um campo de batalha, para aderir ou rejeitar. Eu escolhi uma esquerda coerente e humanista, desde menino. Acredito piamente na nobreza do meu caráter e já me basta. Sendo também certo que não nasci para ser vivido no meu tempo. Ou porque raramente compreendido ou porque os tenebrosos galãs de instância tendem a tomar-me por demasiadamente pouco. A minha idealidade em prol da esquerda, moderada, cristã e cultua é irredutível e inegociável. Como também jamais haverá um poder eterno neste Cabo de Esperança. Então, a serenidade com que encaro os desafios do traço entre nascer e morrer acaba sempre por vir ao de cima e falar mais alto.
Assim, não obstante ensimesmado em minhas frequentes amarguras de circunstância, quando um astro do concerto das palavras, gráficas, sonoras ou humorísticas, ainda que da esfera de um céu povoado somente por sinais, sem tença aparatosa ou de tangível notoriedade, venho à ribalta para num gesto de homenagem ou gratidão expor a minha angustiante e dolorida reflexão. Há um tempo viajou para bem longe o poeta Kaoberdiano Dambará. O vate Corsino Fortes havia empreendido o seu último voo um pouco antes. Agora o inesquecível Nhô Puxim. Quando assim acontece, parece que os pilares do país acabam por implodir. Corsino Fortes, um versado do idioma português na sua arte, embora mantendo as referências do próprio falar do seu torrão. Dambará e Nhô Puxim, dois exímios cultores da língua cabo-verdiana, merecem destaque nesta nota de desabafo. Até pela falta de consenso dos decisores do país quanto ao lugar que o crioulo deve ocupar na cena nacional.
Bom, isto pode ficar para momento ulterior ou mais oportuno. O que me inquieta realmente é o legado das palavras. Afinal, para que serve uma palavra trabalhada? Para perpetuar o ontem no hoje e o hoje no amanhã? Talvez seja o espaço de memória, se pensarmos na continuidade da ação e no impacto duradoiro de todas as coisas valiosas. Ou será apenas uma forma de nos iludirmos, de encontrarmos alguma escapatória para algo inconsolável, como é o caso do perecimento de alguém que marcou imensas gerações? Penso que sim, porque as palavras deviam merecer apreço e valor em vida. Por mim o tempo de poetar passou a história. Ainda assim, vale sempre a pena falar do eco, da poesia e da palavra. Termino este breve texto, enviando um abraço de pesar e de solidariedade ao poeta Vadinho e família, pela partida de um seu irmão menos novo.
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