A dor da solidão, o sentimento de desamparo, tornou-se mal alastradiço. Fala-se em crise de valores: os salvacionismos terrenos, liberalismo e comunismo, prometiam a felicidade geral. Com a queda, ou o desencantamento, dessas certezas ideológicas, as pessoas teriam sobrado sem pauta: cada qual que fosse arranjar o próprio sentido da vida.
Por Léo Rosa de Andrade*
Como a vida não tem sentido que não seja o sentido que lhe damos, ou historicamente inventamos, muita gente se perdeu. Ou se transmudou para sítio que não é igual, mas é a mesma coisa: conheço ex-marxista que, na falta de céu comunista na Terra, tornou-se em pastor; promete céu noutro lugar. Os sem causa para proselitismo arranjam causa para fazer pregação.
Não me parece uma boa alternativa, seja porque a proporção de alinhados aos salvacionismos laicos era escassa (quantos liberais ou comunistas você conhece?), seja porque a atualidade oferece muito mais valores do que o passado: ecologia, igualdade de gênero, batalha ao racismo, combate à corrupção estão em debate público com significativa militância.
O anonimato do indivíduo avulso nas multidões das grandes cidades é opressivo. O fenômeno, ademais, não poupou os lugarejos. Consta que os gregos evitavam que suas urbes crescessem acima de cinquenta mil habitantes, temendo a deterioração da qualidade de vida. De fato, ser ninguém numa megalópole é desagradável, mas pior é ser ninguém em uma cidadezinha.
Culpou-se a oferta de coisas a serem desejadas (tenho, logo existo), mas que nunca são alcançadas. Tudo foi convertido em mercadoria (Marx) e as mercadorias atiçam nos nossos desejos. Tem propaganda de tudo, para todo mundo, mas o todo mundo não tem meios para quase nada, mesmo que pague o dobro do preço no que se nomeia carnê de prestação.
Ainda que geralmente as pessoas aprendam a viver em conformação ao seu status, deve ser frustrante constatar a incapacidade de comprar o algo com que nos seduziram. Não tenho, todavia, dados empíricos para sustentar a hipótese, ademais solidão não escolhe classe social. Claro, antes triste, mas rico, do que pobre e triste, mas isso não garante companhia significativa.
Talvez a longevidade... A evolução leva eras para formar as condições de sobrevivência de um organismo. A humanidade, contudo, em meio século dobrou o seu tempo médio de vida; só ainda não aprendeu a curtir essa existência longa com que a ciência (capitalista) a agraciou.
Isso não alterou a tristeza que decorre do sentimento de solidão. Aliás, há alguns milênios existem longevos, ou seja, já havia a condição genética. Se hoje existem mais idosos é apenas devido às oportunidades ambientais, as de higiene, sobretudo. De toda sorte, o que importa dizer é que as angústias atingem indistintamente velhos e jovens.
Patrícia Pozza (A importância da vida de relação, Notisul, 04abr11) e Dráuzio Varela (Solidão Crônica, FSP, 23mar11) alertam para a degradação orgânica, cerebral inclusive, do solitário. Patrícia sugere “empenho para o incremento e as aquisições na vida de relação, na vida afetiva”; Dráuzio diz que “criamos possibilidades ilimitadas de interações sociais, mas que, contraditoriamente, o contingente dos que se queixam da falta de alguém com quem compartilhar sentimentos íntimos aumenta em todos os países”.
Nunca se rematou o assunto. Psicanalistas e existencialistas advertem que somos mesmo esta incompletude ambulante. Não sei e quase concluo que ninguém sabe o que fazer para aplacar essa eterna demanda por interação. Talvez, como tantos filósofos nos dizem, esse seja apanágio da humanidade e de humanidade.
Bem, Jean-Paul Sartre disse por um personagem seu que “o inferno são os outros”. Valter Hugo Mãe, por outra figura, o contraria: “O inferno não são os outros. Eles são o paraíso [...]. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti. Sobre essa condição humana, Aristóteles – lá se vão milênios – pontificou: Quem for incapaz de se associar, ou não sente essa necessidade [...] será um bicho ou um deus”.
Se eu supusesse pressupostos para abrandar a situação, apostaria em duas coisas: somos seres em relação, não há solução individual para as dores do mundo (ocorre-me Nenhum homem é uma ilha, John Donne); crendices ideológicas (as religiosas, inclusive) não levam, como de fato nunca levaram, a porto seguro nenhum. A humanidade será o que a humanidade, coletivamente, fizer dela.
Ninguém “ama teu semelhante como a ti mesmo” (pieguice cristã), contudo, nisso de que falo vai amor ao próximo (fraternidade). Cuidado com o semelhante na vida em comum civilizada, como já há alguma em alguns lugares do mundo. Seja; o próximo não é objeto de piedade; ele tem, sobre todas as coisas, o mesmo direito que tu te dás a ti. Um próximo à altura: um interlocutor para divagar sobre a vida.
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* Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.
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